Artigo publicado na Revista do Direito Imobiliário, v. 83, p. 519-551, 2017.
Resumo: O presente artigo trata da regularização fundiária rural e urbana, notadamente a partir de uma nova roupagem com a publicação da Lei federal n.º 13.465/2017 – conversão da Medida Provisória de n.º 759, 22 de dezembro de 2016 – ao modificar algumas diretrizes pré-existentes e introduzir outras, além de alterações em textos legais que já dispunham sobre o tema ou tinham conexão com a temática e, neste contexto, estabelece normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Rural e a Regularização Fundiária Urbana (Reurb), para todo o território nacional, com ênfase nos imóveis públicos e as possíveis implicações no Registro de Imóveis que atua como coprotagonista.
Palavras-chave: Regularização Fundiária – política pública – imóveis públicos – registro de imóveis – Reurb – alienação e uso de bens públicos.
Sumário: 1. Introdução. 2. Da noção de política pública. 3. Do Registro de Imóveis na perspectiva das políticas públicas. 4. Das noções gerais sobre a política pública de regularização fundiária rural e urbana. 5. Do regime jurídico dos bens públicos: aspectos gerais. 6. Das alterações introduzidas pela Lei federal n.º 13.465/2017: alienação e uso de bens imóveis da União. 7. Das alterações introduzidas pela Lei federal n.º 13.465/2017: alienação e uso de bens imóveis da União. 8. Conclusões.
- Introdução
A falta de planejamento e implementação de políticas públicas de ordenação do solo brasileiro, entre outros fatores, são responsáveis pelo insuficiente acesso formal à terra e o uso adequado, assim como o crescimento descontrolado – urbanístico, ambiental, econômico e socialmente – dos espaços urbanos no Brasil. Todo este cenário é uma dura realidade, visto que passa ao largo de ambientes que dignificam a vida humana, justamente porque não atendem aos princípios fundamentais da organização política e jurídica brasileira, que são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, em boa parte porque o poder que emana do povo nem sempre é exercido nos termos da Constituição.
Por isso o exercício do poder que emana do povo deve ter como norte, além dos princípios fundamentais, também os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que são: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização, assim como a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Os princípios fundamentais e os objetivos fundamentais são, portanto, modeladores da concretização dos direitos fundamentais, tanto os de primeira dimensão, como o direito de e à propriedade, como os de segunda dimensão – de natureza social – que exigem do Estado ações positivas, com a finalidade de materializá-los, notadamente os direitos à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados, sem afastar outros como o direito público subjetivo ao meio ambiente equilibrado e sustentável, todos relacionados direta ou indiretamente com o tema regularização fundiária rural e urbana.
Em sintonia com os princípios objetivos e direitos fundamentais, a Constituição trata das políticas urbana e agrária em dois capítulos distintos, permeados pela noção da função social da propriedade. Nesta perspectiva, a função social da propriedade rural é cumprida quando atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Na mesma toada, a Constituição Federal, ao dispor sobre a política urbana de desenvolvimento urbano, prevê que deve ser executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei e tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, tendo o plano diretor como o seu instrumento básico. Além disso, que a propriedade urbana cumpre sua função social somente quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas nesse plano diretor. No contexto da função social da propriedade, a Constituição prevê expressamente: aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
No contexto dos comandos constitucionais, foi promulgada a Lei federal n.º 13.465, de 11 de julho de 2017, com a finalidade de implementar a política pública de regularização fundiária rural e urbana, entre outras providências, a qual pode ser desdobrada em três temas distintos, mas ao mesmo tempo conexos entre si, esclarecendo-se que não é propósito do texto uma abordagem acerca dos acertos e equívocos da Lei, porque isto requer um certo tempo de maturação, mas sim narrar alguns aspectos relacionados com a regularização fundiária rural e urbana, com incidência sobre bens públicos, em especial os da União e algumas de suas repercussões no Registro de Imóveis.
Inicialmente a Lei 13.465/2017 dispõe sobre a regularização fundiária rural e na sequência estabelece normas gerais sobre a regularização fundiária urbana, institui no território nacional normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), a qual abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes e, por fim, trata dos procedimentos de avaliação e alienação de imóveis da União, com o afastamento de licitação pública, além de outras disposições, além de introduzir alterações em outras leis federais que dispõem sobre os referidos temas.
O instituto bens públicos, em que estão inseridos os bens imóveis da União, é regido ordinariamente, no Direito brasileiro, pelo direito público, que apresenta como características a inalienabilidade, impenhorabilidade, imprescritibilidade e não-onerabilidade, modelando de uma forma bastante rígida a alienabilidade e o uso dos bens públicos, o que os distingue dos bens privados, cujo regime jurídico apresenta como características, salvo as exceções legais, justamente a alienabilidade, a penhorabilidade, a prescritibilidade e a onerabilidade.
Em face das disposições da referida Lei federal n.º 13.465/2017, pergunta-se: quais são as principais alterações introduzidas pela Lei, em especial no que diz respeito à alienação e o uso dos bens públicos? Além disso, quais as implicações que estas alterações têm no âmbito do Registro de Imóveis? Para tanto, far-se-á uma breve abordagem da noção de política pública, do Registro de Imóveis na perspectiva das políticas públicas, das noções gerais sobre a política pública de regularização fundiária rural e urbana, do regime jurídico dos bens públicos e das alterações introduzidas e das suas implicações no âmbito do Registro de Imóveis.
- Da noção de política pública
O Estado Democrático de Direito brasileiro, fundado na Constituição que consagra o princípio da dignidade da pessoa humana como o eixo principal dos direitos fundamentais, porque é em torno dele que se estruturam os outros direitos fundamentais, notadamente os direitos sociais-econômicos, supera a noção clássica do Estado Liberal, que outorgava ao governante a prerrogativa de eleger as prioridades em termos de políticas públicas, porque boa parte das prioridades estão consagradas na própria Constituição, diminuindo a margem de escolhas políticas pelos governantes, como pode acontecer com as políticas agrárias e urbanísticas.
A Constituição Federal qualifica a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito e inseriu os direitos econômico-sociais no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, por isso são considerados “direitos sociais fundamentais”. Nesse contexto, “os direitos fundamentais passam a ser considerados para além de sua função originária de instrumentos de defesa da liberdade individual, elementos da ordem jurídica objetiva, integrando um sistema axiológico que atua como fundamento material de todo o ordenamento jurídico”.[1]
Ordinariamente, é por meio de políticas públicas que se dá a concretização material dos direitos fundamentais, que podem ser conceituadas como “programas de ação do governo, para a realização de objetivos determinados, num espaço de tempo certo”;[2] ou o “conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um objetivo determinado”[3] ou “a expressão políticas públicas designa todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do poder público na vida social”.[4] Portanto, na linha de raciocínio dos autores trazidos à colação, política pública, no plano fático, compreende uma atuação do Estado; no plano político, um programa de governo que elege prioridade, meios e fins; e, no plano jurídico, um conjunto de normas e atos administrativos tendentes à concretização de direitos fundamentais.
Na perspectiva de que as políticas públicas compreendem programas de ação do governo, portanto, orientadas pela política, impõe-se esclarecer que a política compreende três dimensões, que são: polity, politics e policy. De acordo com Frey, a dimensão polity refere-se à “ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo[5]. A politics, de acordo com Schmidt, “abrange a dimensão dos processos que compõe a dinâmica política e da competição pelo poder, que lhe é inerente” e a policy “compreende os conteúdos concretos da política, as políticas públicas”[6]. A política pública é o Estado em ação, “resultado da política institucional e processual”. razão pela qual “as relações entre polity, politics e policy são permanentes e as influências são recíprocas”.[7]
Por isso a noção conceitual de políticas públicas não compreende uma categoria definida e instituída pelo Direito, mas por meio de arranjos complexos, típicos da atividade político-administrativa, que a ciência do Direito deve estar apta a descrever, compreender e analisar, de modo a integrar à atividade política os valores e métodos próprios do universo jurídico e para investigar sobre os fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas são necessárias algumas premissas: i) a decisão governamental como problema central da análise jurídica de políticas públicas; ii) o enfoque analítico privilegiando a ação racional, estratégica e em escala ampla; e iii) foco primordial no aspecto jurídico-institucional com olhar prospectivo, nas formas e nos procedimentos necessários para traduzir os fatores políticos, produzindo ação governamental democrática e a longo prazo jurídica e socialmente sustentada.[8]
Na perspectiva jurídica, as políticas públicas são arranjos institucionais – no âmbito da atividade político-administrativa – produzidos num processo de interação entre a política e o direito, mediados pelos princípios e valores, com vistas à concretização dos Direitos Fundamentais. Por isso Leal entende que as políticas públicas são o locus privilegiado para a judicialização da política e do direito, porque “no atual contexto democrático, o âmbito das Políticas Públicas aparece como um foco privilegiado de análise, em virtude de seu objeto e de sua natureza, pois, enquanto instrumentos de atuação – política – voltados à realização dos direitos fundamentais (jurídicos), tem-se configurado, nelas, um lugar de atuação da Política sobre o Direito ou, pelo menos, em que a realização do Direito se dá por meio de opções/escolhas políticas”[9].
- Do Registro de Imóveis na perspectiva das políticas públicas
Existe uma relação estreita entre o direito de propriedade imobiliária e a instituição registral imobiliária, como instrumento de proteção do direito de propriedade em sentido estático, em face do Estado e de outros particulares, cuja finalidade precípua é a segurança jurídica. Contudo, sem abandonar a segurança jurídica, a evolução dos direitos fundamentais, notadamente os de natureza social, que têm na dignidade da pessoa humana o seu principal eixo, exige do registro de imóveis uma atuação que não apenas assegure o direito de propriedade, mas que atue voltado à viabilização da concretização dos direitos sociais conexos com o direito de propriedade, como por exemplo, as regularizações fundiárias rural e urbana, que são pressupostos para a concretização dos direitos sociais, anteriormente enumerados.
A finalidade precípua do Registro de Imóveis é a segurança jurídica, que começou a ser moldada com a chegada do iluminismo e a Revolução Francesa, justamente para defender os direitos fundamentais, notadamente o direito de propriedade. É a partir da unicidade do Direito – e sua codificação – que se implementou juridicamente a segurança jurídica e esse processo condicionou a sociedade e o mundo jurídico, no sentido de que só o direito pode assegurar a ordem e a segurança necessárias ao progresso. “O resultado dessa nova percepção é o abandono tanto da descentralização do poder como do pluralismo de ordenamentos jurídicos, em busca de unificação dos territórios, a fim de permitir a formação de um Estado Nacional soberano e detentor do monopólio de produção das normas jurídicas”[10]
Cabe ao Estado de Direito assegurar os direitos fundamentais, assim como os sociais fundamentais, que em face de sua dimensão objetiva acabam por se irradiar a toda ordem jurídica. Sem essa dinâmica, haverá desproteção aos referidos direitos e não haverá imunização às ameaças e aos riscos. Por isso, a segurança jurídica converte-se em valor jurídico para a concretização de todos os valores constitucionais e, nesse sentido, a segurança jurídica pode ser considerada como um instrumento assecuratório dos direitos que envolvem autonomia privada, notadamente liberdade e propriedade.
Para além da segurança jurídica do direito de propriedade inscrito, a Constituição brasileira projeta, também, a segurança jurídica ao direito de adquirir a propriedade, ou seja, as políticas públicas que fomentam a aquisição do direito de propriedade. Por isso, a segurança jurídica no âmbito do Registro de Imóveis está diretamente relacionada às funções social, econômica e ambiental da propriedade, o que permite afirmar que o Registro de Imóveis assenta a sua telelologia na concretização da segurança jurídica do direito de propriedade e do direito à propriedade, sem prejuízo assecuratório de outros direitos sociais, como é a hipótese do direito à moradia, que pode ser concretizado, por exemplo, também por meio da concessão de direito real de uso.
É como instituição certificadora de fé-pública que o Registro de Imóveis vai assumindo posição importante como coprotagonista das políticas públicas que dignificam a vida humana, notadamente naquelas que têm por objeto o direito fundamental de e à propriedade, assim como nas políticas públicas que têm por finalidade concretizar o direito social à moradia. Se na origem o Registro de Imóveis tinha por finalidade assegurar o direito fundamental de propriedade inscrito – direito estático – cada vez mais é chamado a integrar o rol de sujeitos que integram, de forma sistêmica, a realização de políticas públicas sociais que possuem conexão com a sua finalidade precípua, mas na perspectiva dinâmica.
- Das noções gerais sobre a política pública de regularização fundiária rural e urbana
A política de regularização fundiária rural e urbana ganha uma nova roupagem com a publicação da Lei federal n.º 13.465/2017 – conversão da Medida Provisória de n.º 759, 22 de dezembro de 2016 – ao modificar algumas diretrizes pré-existentes e introduzir outras, além de alterações em textos legais que já dispunham sobre o tema ou tinham conexão com a temática e, neste contexto, estabelece normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Rural e a Regularização Fundiária Urbana (Reurb), para todo o território nacional, o que não exclui a competência suplementar dos Estados e, também, as dos municípios, em matéria urbanística.
No âmbito da regularização fundiária rural – primeira parte da Lei – foram introduzidas alterações na Lei federal n.º 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária; na Lei federal de n.o 13.001, de 20 de junho de 2014, que dispõe sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária; na Lei federal de n.o 11.952, de 25 de junho de 2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal; na Lei federal de n.o 13.340, de 28 de setembro de 2016, que autoriza a liquidação e a renegociação de dívidas de crédito rural; na Lei federal de n.º 8.666, de 21 de 21 de junho de 1993, em especial acerca da alienação direta de bens públicos da União; na Lei federal de n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, notadamente no artigo 216-A, que dispõe sobre a usucapião extrajudicial e na Lei federal de n.º Lei nº 12.512, de 14 de outubro de 2011, que institui o Programa de Apoio à Conservação Ambiental e o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais.
A segunda parte da Lei estabelece normas gerais sobre a regularização fundiária urbana, aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb) em todo território nacional, abrangendo medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes, dispondo sobre os objetivos da Reurb, suas modalidades, os legitimados para requerer, dos instrumentos da Reurb, das legitimações fundiária e de posse, do procedimento administrativo da Reurb, do projeto de regularização fundiária, da conclusão da Reurb, do registro da Reurb no Registro de Imóveis, da regularização de conjuntos habitacionais, do condomínio urbano simples, da arrecadação de imóveis abandonados, além de disposições finais e transitórias.
A Reurb compreende duas modalidades: Reurb de Interesse Social (Reurb-S) – regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal; e a Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) – regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese da Reurb-S.
Além das normas gerais sobre a Reurb, a Lei insere alterações na Lei Federal de n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil – instituindo o direito real de laje e o condomínio de lotes; na Lei federal de n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, em especial sobre atos de averbação, registro e abertura de matrícula; na Lei federal de n.o 13.105, de 16 de março de 2015 – novo Código de Processo Civil; na Lei federal de n.º 11.977, de 7 de julho de 2009, introduzindo regras para a regularização da propriedade fiduciária do Fundo de Arrendamento Residencial-FAR; na Lei federal de n.o 9.514, de 20 de novembro de 1997, em especial regras de procedimento de cobrança; e, nas disposições finais e transitórias, introduz alterações na Lei no 6.766, de 19 de dezembro de 1979, em especial adequações em face da instituição do condomínio de lotes; na Lei federal de n.o 11.124, de 16 de junho de 2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS; na Medida Provisória no 2.220, de 4 de setembro de 2001; na Lei federal de n.o 6.766, de 19 de dezembro de 1979; na Lei federal de n.o 10.257, de 10 de julho de 2001; na Lei federal de n.º 11.977, de 7 de julho de 2009; na Lei federal de n.o 6.015, de 31 de dezembro de 1973, em especial a revogação do artigo 288-A e na Lei federal de n.º 12.651, de 25 de maio de 2012, sobre regras acerca dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente.
Nesta nova roupagem, a regularização fundiária urbana é definida como um conjunto de regras que abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes. Trata-se, portanto, de uma política pública abrangente, multidisciplinar e complexa, que tem por objeto núcleos urbanos informais, o que exige uma atuação sistêmica de todos os agentes envolvidos.
Para os efeitos da Lei 13.465/2017, núcleo urbano é definido como o assentamento humano, com uso e características urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento, prevista na Lei no 5.868/72, independentemente da propriedade do solo – pública ou privada –, ainda que situado em área qualificada ou inscrita como rural. O núcleo urbano informal, segundo a Lei, é o clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização; e o núcleo urbano informal consolidado, aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município.
Por se tratar de matéria concorrente, nos termos do artigo 24, I, da Constituição Federal, a União estabelece as normas gerais e impõe aos poderes públicos a obrigação de formular e desenvolver nos seus respectivos espaços urbanos as políticas de suas competências de acordo com os princípios de sustentabilidade econômica, social e ambiental e ordenação territorial, buscando a ocupação do solo de maneira eficiente, combinando seu uso de forma funcional.
Além disso, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem observar os objetivos da Regularização Fundiária Urbana-Reurb, de acordo com as suas competências constitucionais, identificando os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior, além de criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes.
Outro objetivo é a ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados, mas, para isso, os entes políticos precisam promover a integração social e a geração de emprego e renda; estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade; garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas; garantir a efetivação da função social da propriedade; ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
Neste contexto, a Lei objetiva, ainda, a concretização do princípio constitucional da eficiência na ocupação e no uso do solo; a prevenção e o desestímulo à formação de novos núcleos urbanos informais; a concessão de direitos reais, preferencialmente em nome da mulher, e franquear participação dos interessados nas etapas do processo de regularização fundiária.
Para alcançar os objetivos da Reurb, além dos assentamentos em áreas privadas, os procedimentos da Reurb serão promovidos em áreas públicas. Para fins da Reurb, fica dispensada a desafetação de áreas públicas, assim como autorização legislativa, avaliação prévia e licitação na modalidade de concorrência e, quando se tratar de áreas da União, a regulamentação dos procedimentos é de competência da Secretaria do Patrimônio da União-SPU, sem prejuízo da eventual adoção de procedimentos e instrumentos previstos para a Reurb, cuja transferência do domínio ou do direito real de uso aos assentados poderá ser onerosa ou gratuita, mas de forma direta, sem a necessidade de prévia licitação pública.
- Do regime jurídico dos bens públicos: aspectos gerais
Se por um lado o Registro de Imóveis foi instituído para dar segurança jurídica à propriedade imobiliária privada e seus direitos reais conexos, entre outras atribuições; por outro, é inegável que também projeta segurança jurídica sobre os bens imóveis públicos, ainda que em graus diferentes, porque os afetados pelo regime jurídico de direito público não dependem, ordinariamente, do registro para a comprovação do domínio público. Contudo, nas hipóteses em que o ente político-administrativo e os entes autárquicos adquirirem bens imóveis por meio de institutos de direito privado, como, por exemplo, compra e venda, doação, dação em pagamento, o ato registral é necessário para efeitos de constituição do direito de propriedade, assim também, por exemplo, nas hipóteses de alienação de bens públicos e ou constituição do direito real de uso, que precisam ser publicizados no Registro de Imóveis.
A categoria bens públicos, em sentido estrito, compreende um conjunto de bens sujeitos a um regime jurídico de direito público, em razão de sua destinação, que pode ser de uso comum ou de uso especial. A partir desse enunciado é possível afirmar que existe diferença entre bem público e bem estatal, porque nem todos os bens submetem-se ao mesmo regime jurídico, visto que alguns entes estatais são de direito público e outros de direito privado.
Corroborando a afirmação, o artigo 98 do Código Civil preconiza: “são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem. Ou seja, quanto à titulação, são bens públicos aqueles que pertencem às pessoas jurídicas de direito público e privados os bens que pertencem às pessoas jurídicas de direito privado.
Apesar disso, nem todos os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público estão sujeitos ao regime jurídico de direito público que afeta bens públicos a destinações públicas, retirando-os do comércio. É neste sentido a classificação dos bens públicos prevista no artigo 99 do Código Civil, ao dispor que os bens públicos são os de uso comum do provo, os de uso especial e os dominicais. Os primeiros estão afetados em favor do povo e os segundos em favor da própria administração pública, enquanto os últimos não estão afetados, por isso se caracterizam como bens patrimoniais, passíveis de alienação. De acordo com o artigo 100 do Código Civil, “os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar” e o artigo 101 prevê que “os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei”.
O regime jurídico da alienação de bens imóveis da Administração Pública direta e autárquica – previsto na Lei federal de n.º 8.666/93, tem como regra a subordinação da alienação à existência de interesse público devidamente justificado, prévia avaliação, autorização legislativa e licitação na modalidade de concorrência, embora admitida também a modalidade de leilão para os bens imóveis, cuja aquisição tenha derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento, que poderão ser alienados por ato da autoridade competente. Contudo, desde a origem, a Lei admitia exceções à necessária e prévia licitação e, com o passar do tempo, foram aumentando por força de leis que introduziram alterações, dentre as quais a Lei federal n.º 13.465/2017.
Ainda que a regra para a alienação e concessão de direito real de uso de bens imóveis públicos seja a prévia licitação, dentre outros requisitos, a própria Lei federal de n.º 8.666/93 já apresenta exceções, que são: a dação em pagamento, a doação, inicialmente permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo e, posteriormente, por força de novos comandos legislativos foi se ampliando para alcançar a alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais – ou de regularização fundiária de interesse social – desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública e alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) e inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública.
Outra exceção à prévia e necessária licitação é a permuta de bem imóvel público por outro imóvel desde que destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha e que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia; a investidura, com redação dada pela Lei federal n.º 9.648/98, compreende: a alienação aos proprietários de imóveis lindeiros de área remanescente ou resultante de obra pública, área esta que se tornar inaproveitável isoladamente, por preço nunca inferior ao da avaliação e desde que esse não ultrapasse a 50% (cinquenta por cento) do valor constante da alínea “a” do inciso II do art. 23 da Lei de Licitações, e, também, a alienação, aos legítimos possuidores diretos ou, na falta destes, ao Poder Público, de imóveis para fins residenciais construídos em núcleos urbanos anexos a usinas hidrelétricas, desde que considerados dispensáveis na fase de operação dessas unidades e não integrem a categoria de bens reversíveis ao final da concessão.
A venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, também não está condicionada à prévia licitação pública, por força da Lei federal de n.º 8.883/94; assim como os procedimentos de legitimação de posse do ocupante de terras públicas, que as tenha tornado produtivas com o seu trabalho e o de sua família, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Administração Pública em cuja competência legal inclua-se tal atribuição, de acordo com a Lei federal n.º 11.196/2005.
Igualmente a Administração Pública poderá conceder título de propriedade ou de direito real de uso de imóveis, dispensada licitação – nos termos da Lei federal n.º 11.196/2005 –, quando o uso destinar-se a outro órgão ou entidade da Administração Pública, qualquer que seja a localização do imóvel e para a pessoa física que, nos termos de lei, regulamento ou ato normativo do órgão competente, haja implementado os requisitos mínimos de cultura e moradia sobre área rural situada na região da Amazônia Legal, superior à legalmente passível de legitimação de posse, atendidos os limites de área definidos por ato normativo do Poder Executivo. Neste ponto a Lei federal n.º 13.465/2017 alterou a redação para: a pessoa natural que, nos termos de lei, regulamento ou ato normativo do órgão competente, haja implementado os requisitos mínimos de cultura, ocupação mansa e pacífica e exploração direta sobre área rural, observado o limite de que trata o § 1o do art. 6o da Lei no 11.952, de 25 de junho de 2009, ou seja, áreas não superiores a 2.500 ha (dois mil e quinhentos hectares).
Outra alteração introduzida pela Lei federal n.º 13.465/2017 é a possibilidade de alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União e do Incra, onde incidam ocupações até o limite de que trata o § 1o do art. 6o da Lei no 11.952/2009, ou seja, áreas não superiores a 2.500 ha (dois mil e quinhentos hectares) para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais. Além dessas, outras alterações relacionadas com a alienação e uso de bens públicos da União foram introduzidas no ordenamento jurídico, que serão objeto de uma narrativa na sequência.
- Das alterações introduzidas pela Lei federal n.º 13.465/2017: alienação e uso de bens imóveis da União
Ainda que, por um lado, a Lei federal n.º 13.465/2017 estabelece normas gerais sobre a Regularização Fundiária Rural e Urbana-Reurb, por outro, estabelece regramentos específicos para a União e, neste contexto, outorga à Secretaria do Patrimônio da União-SPU competência para regulamentar os procedimentos para a Reurb promovida em áreas de domínio da União, sem prejuízo da eventual adoção de procedimentos e instrumentos previstos para a Reurb na própria Lei federal de n.º 13.465/2017.
Quando se tratar de Regularização Fundiária Urbana de Interesse Específico-Reurb-E, tendo por objeto projeto de parcelamento de imóveis da União, devidamente reconhecido pela autoridade pública, poderão ser, no todo ou em parte, vendidos diretamente aos seus ocupantes, dispensados os procedimentos exigidos pela Lei de Licitações, vistos anteriormente, porém de acordo com a regulamentação efetuada pela Secretaria do Patrimônio da União-SPU, cujo prazo para a expedição do regulamento é de doze meses contado da data de publicação da Lei federal de n.º 13.465/2017.
Contudo, esta venda aplica-se unicamente aos imóveis ocupados até 22 de dezembro de 2016, exigindo-se que o usuário seja regularmente inscrito e esteja em dia com suas obrigações para com a Secretaria do Patrimônio da União-SPU e, além disso, só poderá ser concedida para, no máximo, dois imóveis, um residencial e um não residencial, regularmente cadastrados em nome do beneficiário na Secretaria do Patrimônio da União-SPU.
Trata-se de venda direta, à vista ou financiada a prazo, que, nesse caso, deverá obedecer à Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997, ficando a União com a propriedade fiduciária dos bens alienados até a quitação integral, observando que para os ocupantes com renda familiar situada entre cinco e dez salários mínimos, a aquisição poderá ser realizada em até duzentas e quarenta parcelas mensais e consecutivas, mediante sinal de, no mínimo, 5% (cinco por cento) do valor da avaliação, e o valor da parcela mensal não poderá ser inferior ao valor equivalente ao devido pelo usuário a título de taxa de foro ou ocupação, quando requerido pelo interessado.
Para os ocupantes com renda familiar acima de dez salários-mínimos, a aquisição, quando financiada, poderá ser parcelada em até cento e vinte parcelas mensais e consecutivas, mediante um sinal de, no mínimo, 10% (dez por cento) do valor da avaliação, e o valor da parcela mensal não poderá ser inferior ao valor equivalente ao devido pelo usuário a título de taxa de foro ou ocupação, quando requerido pelo interessado.
O preço da venda dos imóveis da União, integrantes da Reurb-E, será fixado com base no valor de mercado do imóvel, considerado o preço mínimo para as alienações onerosas realizadas pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), ou pela unidade gestora responsável, podendo ser contratada para isso a Caixa Econômica Federal, com dispensa de licitação, ou empresa especializada, estabelecido em laudo de avaliação, cujo prazo de validade será de, no máximo, doze meses.
Para os casos de venda direta, o preço será fixado com base no valor de mercado do imóvel, excluídas as benfeitorias realizadas pelo ocupante, cujo prazo de validade da avaliação será de, no máximo, doze meses; para as alienações que tenham como objeto a remição do aforamento ou a venda do domínio pleno ou útil, para os ocupantes ou foreiros regularmente cadastrados na Secretaria do Patrimônio da União-SPU, a avaliação poderá ser realizada por trecho ou região, desde que comprovadamente homogêneos, com base em pesquisa mercadológica e critérios estabelecidos no zoneamento ou plano diretor do Município e, em se tratando de condomínio edilício privado, as áreas comuns, excluídas suas benfeitorias, serão adicionadas na fração ideal da unidade privativa correspondente.
Por outro lado, em se tratando de pessoas físicas de baixa renda que, por qualquer título, utilizem regularmente imóvel da União, inclusive imóveis provenientes de entidades federais extintas, para fins de moradia até 22 de dezembro de 2016, e que sejam isentas do pagamento de qualquer valor pela utilização, na forma da legislação patrimonial e dos cadastros da Secretaria do Patrimônio da União-SPU, poderão requerer diretamente ao Oficial do Registro de Imóveis, mediante apresentação da Certidão de Autorização de Transferência-CAT expedida pela Secretaria do Patrimônio da União-SPU, a transferência gratuita da propriedade do imóvel, desde que a renda familiar mensal não seja superior a 5 (cinco) salários mínimos e não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
Cabe também à Secretaria do Patrimônio da União-SPU, por meio de ato específico, a regulamentação dos procedimentos para a transferência gratuita, inclusive aqueles relacionados à forma de comprovação dos requisitos pelos beneficiários do direito real de uso ou do domínio pleno de imóveis da União no âmbito da Reurb-S, que somente poderá ser concedida uma vez por beneficiário e não depende de avaliação prévia do imóvel ou prévia autorização legislativa específica: basta que o interessado requeira a concessão de direito real de uso ou o domínio pleno do imóvel junto à Secretaria do Patrimônio da União-SPU, e a expedição da Certidão de Autorização de Transferência para fins de Reurb-S (CAT-Reurb-S), a qual valerá como título hábil para a aquisição do direito mediante o registro no cartório de registro de imóveis competente.
Para o registro da Certidão de Autorização de Transferência para fins de Reurb-S (CAT-Reurb-S) é necessário que o imóvel esteja regularizado junto ao Cartório de Registro de Imóveis. Em se tratando de imóvel da União que não se encontrar regularizado, a matrícula poderá ser aberta a pedido da Secretaria do Patrimônio da União-SPU, por meio de requerimento dirigido ao oficial do referido cartório, acompanhado dos seguintes documentos: planta e memorial descritivo do imóvel, assinados por profissional habilitado perante o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia-Crea ou o Conselho de Arquitetura e Urbanismo-CAU, condicionados à apresentação da Anotação de Responsabilidade Técnica-ART ou do Registro de Responsabilidade Técnica-RRT, quando for o caso; e ato de discriminação administrativa do imóvel da União para fins de Reurb-S, a ser expedido pela Secretaria do Patrimônio da União-SPU, salvo àqueles submetidos a procedimentos específicos de identificação e demarcação, os quais continuam submetidos às normas pertinentes.
A União, suas autarquias e fundações públicas de direito público, ficam autorizadas a transferir aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal as áreas públicas federais ocupadas por núcleos urbanos informais, para que promovam a Reurb nos termos da Lei federal de n.º 13.465/2017, observado o regulamento quando se tratar de imóveis de titularidade de fundos e, com isso, deslocando a responsabilidade pela regularização para os Municípios.
Outras alterações foram introduzidas pela Lei federal de n.º 13.465/2017, notadamente no Decreto-Lei no 2.398, de 21 de dezembro de 1987, que dispõe sobre foros, laudêmios e taxas de ocupação relativas a imóveis de propriedade da União, estabelecendo critérios para efeitos de cobrança do foro, da taxa de ocupação, do laudêmio e de outras receitas extraordinárias, incidentes sobre o valor do domínio pleno do terreno da União, além de dispor a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direito a eles relativos e o prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor.
Também foram alteradas disposições da Lei federal de n.o 13.240, de 30 de dezembro de 2015, que dispõe sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos, que, em síntese, podem ser narradas da seguinte forma: os imóveis inscritos em ocupação poderão ser alienados pelo valor de mercado do imóvel, contudo, o ocupante que não optar pela aquisição dos imóveis continuará submetido ao regime de ocupação, na forma da legislação vigente.
Além disso, o Poder Executivo federal fica autorizado, por intermédio da Secretaria do Patrimônio da União-SPU, a contratar a Caixa Econômica Federal, a qual representará a União na celebração dos contratos, independentemente de processo licitatório, para a prestação de serviços relacionados à administração dos contratos, arrecadação e cobrança administrativa decorrentes da alienação dos imóveis e que caberá ao Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, permitida a delegação, editar portaria com a lista de áreas ou imóveis sujeitos à alienação nos termos da Lei federal de n.º 13.465/2017.
Além de tudo, a Secretaria do Patrimônio da União-SPU fica autorizada a receber Proposta de Manifestação de Aquisição por ocupante de imóvel da União que esteja regularmente inscrito e adimplente com suas obrigações com aquela Secretaria e, ainda, que os imóveis de propriedade da União arrolados na portaria de que trata o art. 8o e os direitos reais a eles associados poderão ser destinados à integralização de cotas em fundos de investimento.
Na Lei federal de n.o 9.636, de 15 de maio de 1998, que dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, foram introduzidas alterações, que, em linhas gerais, são: o estabelecimento de critérios para a determinação do valor do domínio pleno do terreno da União, para efeitos de cobrança do foro, da taxa de ocupação, do laudêmio e de outras receitas extraordinárias; que as avaliações para fins de alienação onerosa dos domínios pleno, útil ou direto de imóveis da União serão realizadas pela Secretaria do Patrimônio da União -SPU, ou pela unidade gestora responsável, podendo ser contratada para isso a Caixa Econômica Federal, com dispensa de licitação, ou empresa especializada; que o domínio útil, quando adquirido mediante o exercício da preferência de que tratam o art. 13 e o § 3o do art. 17 da Lei, federal de n.º 13.465/2017, poderá ser pago à vista.
Além disso, para os terrenos submetidos ao regime enfitêutico, ficam autorizadas a remição do foro e a consolidação do domínio pleno com o foreiro mediante o pagamento do valor correspondente ao domínio direto do terreno, excluídas as benfeitorias realizadas pelo foreiro, e, ainda, que a Secretaria do Patrimônio da União-SPU fica autorizada a receber Proposta de Manifestação de Aquisição por foreiro de imóvel da União que esteja regularmente inscrito e adimplente com suas obrigações com aquela Secretaria.
E por fim, na hipótese de ocorrência de leilão deserto ou fracassado na venda de bens imóveis da União, poderão ser disponibilizados para venda direta. Em se tratando de leilão deserto ou fracassado por duas vezes consecutivas, cujo valor de avaliação do imóvel seja de até R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), a Secretaria do Patrimônio da União-SPU fica autorizada a conceder desconto de até 10% (dez por cento) sobre o valor estabelecido em avaliação vigente.
Na Lei federal de n.o 8.036, de 11 de maio de 1990, que dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, foi introduzida alteração no sentido de que a conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada, também, para o pagamento total ou parcial do preço de aquisição de imóveis da União inscritos em regime de ocupação ou aforamento, a que se referem o art. 4o da Lei no 13.240, de 30 de dezembro de 2015, e o art. 16-A da Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998, respectivamente, desde que o mutuário conte com no mínimo três anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou em empresas diferentes; a operação financiável nas condições vigentes para o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) ou ainda por intermédio de parcelamento efetuado pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), mediante a contratação da Caixa Econômica Federal como agente financeiro dos contratos de parcelamento e que sejam observadas as demais regras e condições estabelecidas para uso do FGTS.
Também no Decreto-Lei no 1.876, de 15 de julho de 1981, que dispensa do pagamento de foros e laudêmios os titulares do domínio útil dos bens imóveis da União, foram introduzidas alterações, notadamente na definição de carência ou baixa renda para fins de isenção do pagamento de foros, taxas de ocupação e laudêmios, referentes a imóveis de propriedade da União, responsável por imóvel da União que esteja devidamente inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), ou aquele responsável, cumulativamente: cuja renda familiar mensal seja igual ou inferior ao valor correspondente a cinco salários mínimos; e que não detenha posse ou propriedade de bens ou direitos em montante superior ao limite estabelecido pela Receita Federal do Brasil para obrigatoriedade de apresentação da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física.
O Decreto-Lei no 9.760, de 5 de setembro de 1946, que dispõe sobre os bens imóveis da União, sofreu alterações que impõem obrigações ao antigo foreiro e ao antigo ocupante, no sentido de comunicar à Superintendência do Patrimônio da União a transferência do domínio útil ou do direito de ocupação, no prazo de até sessenta dias, sob pena de permanecer responsável pelos débitos que vierem a incidir sobre o imóvel até a data da comunicação.
A Lei federal de n.o 13.139, de 26 de junho de 2015, que Altera os Decretos-Lei no 9.760, de 5 de setembro de 1946, no 2.398, de 21 de dezembro de 1987, a Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998, e o Decreto-Lei no 1.876, de 15 de julho de 1981, que dispõem sobre o parcelamento e a remissão de dívidas patrimoniais com a União, também foi alterada para conceder desconto de 50% (cinquenta por cento) na incidência de multa de mora para os débitos patrimoniais não inscritos em dívida ativa da União e vencidos até 31 de dezembro de 2016, desde que os débitos do interessado perante a Secretaria do Patrimônio da União-SPU venham a ser pagos integralmente e em parcela única até o dia 31 de dezembro de 2017.
Nas disposições finais, está disposto que a lei faculta aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal utilizarem a prerrogativa de venda direta aos ocupantes de suas áreas públicas objeto da Reurb-E, dispensados os procedimentos exigidos pela Lei de Licitações, desde que os imóveis se encontravam ocupados até 22 de dezembro de 2016, devendo, contudo, expedir regulamento para regrar o processo por meio de legislação própria.
Outra alteração que não está diretamente relacionada com a alienação e concessão de uso de bens públicos, mas indiretamente sim, por se tratar de instituto aquisitivo de propriedade pelo Poder Público, é a desapropriação. Foi acrescentado o artigo 34-A, no Decreto-lei de n.º 3365/41, dispondo sobre a imissão provisória na posse com a concordância do expropriado. Se houver concordância do expropriado, reduzida a termo, a decisão concessiva da imissão provisória na posse implicará a aquisição da propriedade pelo expropriante com o consequente registro da propriedade na matrícula do imóvel, o que não implica renúncia do expropriado ao direito de questionar o preço ofertado em juízo.
E, por fim, outras alterações introduzidas na Lei federal n.º 8.666/93, envolvendo a alienação e concessão de direito real de uso de bens imóveis da União e do Incra: a primeira trata da concessão de título de propriedade ou de direito real de uso de imóveis, com dispensa de licitação, quando o uso destina-se a pessoa natural que, nos termos de lei, regulamento ou ato normativo do órgão competente, haja implementado os requisitos mínimos de cultura, ocupação mansa e pacífica e exploração direta sobre área rural, com áreas não superiores a 2.500 ha (dois mil e quinhentos hectares); e a segunda trata da possibilidade de alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, com dispensa de licitação, de terras públicas rurais da União e do Incra, onde incidam ocupações até o limite de 2.500 ha (dois mil e quinhentos hectares) para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais.
Embora não esteja previsto na Lei federal de n.º 8.666/93 como uma das hipóteses de dispensa de licitação, a Lei federal de n.º 23.465/207 faculta aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal utilizarem a prerrogativa de venda direta aos ocupantes de suas áreas públicas objeto da Reurb-E, dispensados os procedimentos exigidos pela Lei de Licitações, desde que os imóveis encontrem-se ocupados até 22 de dezembro de 2016, devendo, contudo, expedir regulamento para regrar o processo por meio de legislação própria.
- Algumas das implicações relacionadas com a regularização fundiária rural e urbana em terras públicas no âmbito do Registro de Imóveis
Numa análise breve e, portanto, superficial da Lei em comento, correm-se vários riscos, destacando-se, sobretudo, a falta de compreensão acerca da dimensão jurídica e as consequentes implicações de ordem prática e de eficácia no contexto do Registro de Imóveis. O texto legal apresenta a expressão Registro de Imóveis 44 (quarenta e quatro) vezes, contudo, nem sempre estabelecendo comandos relacionados aos bens públicos e ao registro imobiliário. Ainda assim é possível fazer algumas referências, extraídas do texto legal, relacionadas aos bens públicos e que podem repercutir no âmbito do Registro de Imóveis.
As Regularizações Fundiárias-Reurb-E e Reurb-S podem recair sobre bem imóvel público, porém, quando áreas de propriedade do poder público registradas no Registro de Imóveis forem objeto de ação judicial versando sobre a sua titularidade, a possibilidade de serem utilizadas para Reurb dependerá de acordo prévio celebrado no âmbito judicial ou extrajudicial, homologado pelo juiz, o que requer atenção do Registro de Imóveis no sentido de evitar registro de regularização sem que tenha sido celebrado o prévio acordo.
Quando se tratar de Reurb-S promovida sobre bem público, o registro do projeto de regularização fundiária e a constituição de direito real em nome dos beneficiários poderão ser feitos em ato único, a critério do ente público promovente, ou seja, o ente público que promove a regularização pode determinar se o registrador vai praticar ato único ou não, cabendo ao Poder Público encaminhar ao Registro de Imóveis o instrumento indicativo do direito real constituído, a listagem dos ocupantes que serão beneficiados pela Reurb e respectivas qualificações, com indicação das respectivas unidades, ficando dispensadas a apresentação de título cartorial individualizado e cópias da documentação referente à qualificação de cada beneficiário.
Ainda que o propósito do texto não seja análise crítica, entende-se que carece de constitucionalidade o dispositivo que outorga ao Poder Público promotor da regularização a prerrogativa de determinar como os atos registrais devem ser processados no Registro de Imóveis, tendo em vista que a competência para legislar sobre registros públicos é da União. Ademais, os atos registrais relacionados a Reurb-S são gratuitos, o que afasta de plano a ideia de que a diminuição de atos registrais onera menos o interessado, argumento quase sempre equivocado, porque a certeza e a segurança do sistema registral imobiliário dependem do processamento dos atos, que entre outros princípios, deve orientar-se pela especialidade subjetiva e objetiva.
No âmbito da Reurb, o primeiro registro da Reurb-S, o qual confere direitos reais aos seus beneficiários, o registro da legitimação fundiária, o registro do título de legitimação de posse e a sua conversão em título de propriedade, o registro da CRF e do projeto de regularização fundiária, com abertura de matrícula para cada unidade imobiliária urbana regularizada, a primeira averbação de construção residencial, desde que respeitado o limite de até setenta metros quadrados, a aquisição do primeiro direito real sobre unidade imobiliária derivada da Reurb-S, o primeiro registro do direito real de laje no âmbito da Reurb-S e o fornecimento de certidões de registro para os atos previstos neste artigo, independem da comprovação do pagamento de tributos ou penalidades tributárias, sendo vedado ao Oficial do registro de imóveis exigir sua comprovação.
A demarcação urbanística, procedimento destinado a identificar os imóveis públicos e privados abrangidos pelo núcleo urbano informal e a obter a anuência dos respectivos titulares de direitos inscritos na matrícula dos imóveis ocupados, culminando com averbação na matrícula destes imóveis da viabilidade da regularização fundiária, a ser promovida a critério do Município, tem implicações no âmbito do Registro de Imóveis e como pode, também, recair sobre bens públicos, far-se-ão breves considerações.
O poder público poderá utilizar o procedimento de demarcação urbanística, embora não constitua condição para o processamento e a efetivação da Reurb, com base no levantamento da situação da área a ser regularizada e na caracterização do núcleo urbano informal a ser regularizado, cujo auto de demarcação urbanística deve ser instruído com os documentos arrolados nos incisos I e II, do artigo 19, da Lei federal n.º 13.465/2017, podendo abranger uma parte ou a totalidade de um ou mais imóveis inseridos no domínio privado com proprietários não identificados, em razão de descrições imprecisas dos registros anteriores; no domínio privado objeto do devido registro no registro de imóveis competente, ainda que de proprietários distintos ou, ainda, no domínio público.
Para efeitos de concretização da demarcação urbanística, o poder público notificará os titulares de domínio e os confrontantes da área demarcada, pessoalmente ou por via postal, com aviso de recebimento, no endereço que constar da matrícula ou da transcrição, para que estes, querendo, apresentem impugnação à demarcação urbanística, no prazo comum de trinta dias, com a advertência de que a ausência de impugnação implicará a perda de eventual direito que o notificado titularize sobre o imóvel objeto da Reurb. A critério do poder público municipal, as medidas de notificação poderão ser realizadas pelo registro de imóveis do local do núcleo urbano informal a ser regularizado.
Na hipótese de haver titulares de domínio ou confrontantes não identificados, ou não encontrados, ou, ainda, que recusarem o recebimento da notificação por via postal, serão notificados por edital, para que, querendo, apresentem impugnação à demarcação urbanística, no prazo comum de trinta dias. A ausência de manifestação dos indicados será interpretada como concordância com a demarcação urbanística.
Contudo, havendo impugnação poderá ser adotado procedimento extrajudicial de composição de conflitos e, se por acaso existir demanda judicial de que o impugnante seja parte e que verse sobre direitos reais ou possessórios relativos ao imóvel abrangido pela demarcação urbanística, deverá informá-la ao poder público, que comunicará ao juízo a existência do procedimento de demarcação urbanística. Não se obtendo a composição de conflitos por meio da mediação, fica facultado o emprego da arbitragem. Se houver impugnação apenas em relação à parcela da área objeto do auto de demarcação urbanística, é facultado ao poder público prosseguir com o procedimento em relação à parcela não impugnada.
Finalmente, decorrido o prazo sem impugnação ou caso superada a oposição ao procedimento, o auto de demarcação urbanística será encaminhado ao registro de imóveis para a prática dos atos registrais cabíveis: se o imóvel ou os imóveis alcançados pela demarcação urbanística já estiverem matriculados, far-se-á a averbação nas matrículas por ele alcançadas, onde serão lançadas as seguintes informações: a área total e o perímetro correspondente ao núcleo urbano informal a ser regularizado; as matrículas alcançadas pelo auto de demarcação urbanística e, quando possível, a área abrangida em cada uma delas e a existência de áreas cuja origem não tenha sido identificada em razão de imprecisões dos registros anteriores. Não poderá representar óbice à averbação da demarcação urbanística se a área abrangida pelo auto de demarcação urbanística supere a área disponível nos registros anteriores.
Não obstante, se o auto de demarcação urbanística incidir sobre imóveis ainda não matriculados, será aberta matrícula, que deverá refletir a situação registrada do imóvel e, para tanto, o Oficial do Registro de Imóveis não poderá exigir, para a averbação da demarcação urbanística, a retificação da área não abrangida pelo auto de demarcação urbanística, ficando a apuração de remanescente sob a responsabilidade do proprietário do imóvel atingido. Abrangendo imóveis situados em mais de uma circunscrição imobiliária, o oficial do registro de imóveis responsável pelo procedimento comunicará às demais circunscrições imobiliárias envolvidas para averbação da demarcação urbanística nas respectivas matrículas alcançadas pela demarcação.
A legitimação de posse, instrumento de uso exclusivo para fins de regularização fundiária, constitui ato do poder público destinado a conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb, com a identificação de seus ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza da posse, a qual é conversível em direito real de propriedade, podendo ser transferida por causa mortisou por ato inter vivos, mas não se aplica aos imóveis urbanos situados em área de titularidade do poder público, razão pela qual, não será objeto de abordagem.
A Lei em comento dispõe, em capítulo próprio, de um conjunto de disposições notadamente sobre o registro da Certidão de Regularização Fundiária-CRF, que é o documento expedido pelo Município ao final do procedimento de Regularização Fundiária Urbana-Reurb, constituído do projeto devidamente aprovado, do termo de compromisso relativo à sua execução e, nos casos da legitimação fundiária e da legitimação de posse, da listagem dos ocupantes do núcleo urbano informal regularizado, da devida qualificação destes e dos direitos reais que lhes foram conferidos, que pode ter por objeto tanto bens imóveis privados como bens imóveis públicos.
O registro da Certidão de Regularização Fundiária-CRF e do projeto de regularização fundiária aprovado será requerido ao oficial do cartório de Registro de Imóveis da situação do imóvel e será efetivado independentemente de determinações do Poder Judiciário ou do Ministério Público. Ao receber a CRF, o oficial do Registro de Imóveis deve prenotá-la, autuá-la e instaurar o procedimento registral e, no prazo de quinze dias, emitir a respectiva nota de exigência, devidamente fundamentada, na qual deverá indicar os motivos da recusa e formular exigências nos termos do artigo 198 da Lei dos Registros Públicos ou praticar os atos tendentes ao registro.
Após a prenotação, autuação e a instauração do processo registral, a Certidão de Regularização Fundiária-CRF passará obrigatoriamente pelo processo de qualificação e, não havendo exigências nem impedimentos, o oficial do Registro de Imóveis efetuará o seu registro nas matrículas dos imóveis cujas áreas tenham sido atingidas, total ou parcialmente. O registro da Reurb importa em abertura de matrícula da área sobre a qual recaiu a Reurb, salvo se já matriculada, abertura de matrículas individualizadas para os lotes e áreas públicas resultantes do projeto de regularização aprovado e registro dos direitos reais indicados na Certidão de Regularização Fundiária-CRF junto às matrículas dos respectivos lotes, independentemente de título individualizado para cada sujeito favorecido.
Tratando-se de imóvel público, ainda não matriculado do Registro de Imóveis, é necessário primeiro a sua regularização e a consequente instauração da matrícula e, na hipótese de ser possível a identificação das transcrições ou as matrículas da área regularizada, o oficial do Registro de Imóveis abrirá matrícula com a descrição do perímetro do núcleo urbano informal que constar da Certidão de Regularização Fundiária-CRF e nela efetuará o registro, o que caracteriza uma forma de aquisição originária da propriedade imobiliária.
Ademais, para os efeitos de regularidade da documentação, o Oficial do Registro de Imóveis não precisa exigir reconhecimentos de firmas nos documentos que compõem a Certidão de Regularização Fundiária-CRF ou o termo individual de legitimação fundiária sempre que apresentados pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou entes da administração indireta.
Outro aspecto importante relacionado aos bens públicos para fins de Regularização Fundiária Urbana-Reurb é a desnecessidade formal de desafetação de bens públicos, originariamente afetados ao uso comum ou uso especial, isto porque a ocupação para fins de moradia, sem que tenha havido contestação do Poder Público, já opera a desafetação. Não se impõe, portanto, qualquer exigência no sentido de apresentar documento – ato administrativo ou lei – para efeitos de comprovação da desafetação de imóvel público quando da abertura de matrícula para o registro da Reurb.
Contudo, se o imóvel está titulado, porém a especialização da ou das matrículas for deficiente, o oficial do Registro de Imóveis adotará o memorial descritivo da gleba apresentado com o projeto de regularização fundiária independentemente de provocação, retificação, notificação, unificação ou apuração de disponibilidade ou remanescente. Havendo dúvida quanto à extensão da gleba matriculada, em razão da precariedade da descrição tabular, o oficial do cartório de registro de imóveis abrirá nova matrícula para a área destacada e averbará o referido destaque na matrícula matriz. Conquanto, quando o núcleo urbano regularizado abranger mais de uma matrícula, o oficial do registro de imóveis abrirá nova matrícula para a área objeto de regularização, destacando a área abrangida na matrícula de origem, dispensada a apuração de remanescentes.
Na hipótese de o imóvel ou os imóveis abrangidos pelo projeto de regularização não estar(em) matriculado(s), será necessária a prévia abertura de matrícula com a especialização do ou dos imóveis abrangidos. Para o atendimento ao princípio da especialidade, o oficial do Registro de Imóveis adotará o memorial descritivo da gleba apresentado com o projeto de regularização fundiária, independentemente de provocação, retificação, notificação, unificação ou apuração de disponibilidade ou remanescente. Na impossibilidade de identificar as transcrições ou as matrículas da área regularizada, o oficial do cartório de registro abrirá matrícula com a descrição do perímetro do núcleo urbano informal que constar da CRF e nela efetuará o registro.
Ainda, se o projeto de regularização fundiária não envolver a integralidade do imóvel matriculado, o registro será feito com base na planta e no memorial descritivo referentes à área objeto de regularização e o destaque na matrícula da área total deverá ser averbado. Tratando-se de Reurb a abranger imóveis situados em mais de uma circunscrição imobiliária, o procedimento será efetuado perante cada um dos oficiais dos cartórios de registro de imóveis e quando os imóveis regularizados estiverem situados na divisa das circunscrições imobiliárias, as novas matrículas das unidades imobiliárias serão de competência do oficial do cartório de registro de imóveis em cuja circunscrição estiver situada a maior porção da unidade imobiliária regularizada.
O registro do projeto de Regularização Fundiária Urbana-Reurb, devidamente aprovado, na matrícula do imóvel importa em: abertura de nova matrícula, quando for o caso; abertura de matrículas individualizadas para os lotes e áreas públicas resultantes do projeto de regularização aprovado e o registro dos direitos reais indicados na Certidão de Regularização Fundiária-CRF junto às matrículas dos respectivos lotes, dispensada a apresentação de título individualizado.
A Lei 13.465/2017 impõe ao Oficial do Registro de Imóveis obrigações de fazer e outras de não fazer. No âmbito das obrigações de fazer, a lei prevê que o procedimento registral deverá ser concluído no prazo de sessenta dias, prorrogável por até igual período, mediante justificativa fundamentada do oficial do cartório de registro de imóveis; registrada a Certidão de Regularização Fundiária-CRF, deverá ser aberta matrícula para cada uma das unidades imobiliárias regularizadas; o registro da CRF será feito em todas as matrículas atingidas pelo projeto de regularização fundiária aprovado, devendo ser informadas, quando possível, as parcelas correspondentes a cada matrícula; nas matrículas abertas para cada parcela, deverão constar dos campos referentes ao registro anterior e ao proprietário, isto quando for possível a identificação exata da origem da parcela matriculada, por meio de planta de sobreposição do parcelamento com os registros existentes, a matrícula anterior e o nome de seu proprietário.
Não obstante, quando não for possível identificar a exata origem da parcela matriculada, nem as matrículas anteriores atingidas pela Reurb e seus respectivos proprietários, na abertura da matrícula deverá constar que os registros anteriores não foram encontrados e no campo reservado aos proprietários, deve ficar consignada a expressão “proprietário não identificado”.
O procedimento administrativo e os atos de registro decorrentes da Reurb serão feitos preferencialmente por meio eletrônico, na forma dos arts. 37 a 41 da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009 e, uma vez efetivado o registro da transferência da concessão de direito real de uso ou do domínio pleno do imóvel, o oficial do cartório de registro de imóveis, no prazo de trinta dias, notificará a Superintendência do Patrimônio da União no Estado ou no Distrito Federal, informando o número da matrícula do imóvel e o seu Registro Imobiliário Patrimonial (RIP), o qual deverá constar da CAT-Reurb-S.
O artigo 3.º-A, do Decreto-lei 2.398/1987, impõe aos Oficiais de Registro de Imóveis o dever de informar as operações imobiliárias anotadas, averbadas, lavradas, matriculadas ou registradas nos cartórios de notas ou do registro de imóveis, títulos e documentos, que envolvam terrenos da União sob sua responsabilidade, mediante a apresentação de Declaração sobre Operações Imobiliárias em Terrenos da União (Doitu) em meio magnético, nos termos que serão estabelecidos, até 31 de dezembro de 2020, pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
Seguindo a mesma lógica da Lei de Parcelamento do Solo urbano, o registro da CRF implica a incorporação automática ao patrimônio público das vias públicas, das áreas destinadas ao uso comum do povo, dos prédios públicos e dos equipamentos urbanos, na forma indicada no projeto de regularização fundiária aprovado. Se o Município requerer, o Oficial do de Imóveis deverá providenciar na abertura da matrícula para as áreas que tenham ingressado no domínio público.
É possível que nem todas as unidades regularizadas pela Reurb estejam ocupadas. Neste caso, as desocupadas e não comercializadas terão as suas matrículas abertas em nome do titular originário do domínio da área e as unidades não edificadas que tenham sido comercializadas, a qualquer título, terão suas matrículas abertas em nome do adquirente, observados os requisitos para alienação de imóveis da União previstos na Lei ora em comento.
Se se tratar de imóvel sujeito a regime de condomínio geral a ser dividido em lotes com indicação, na matrícula, da área deferida a cada condômino, o Município poderá indicar, de forma individual ou coletiva, as unidades imobiliárias correspondentes às frações ideais registradas, sob sua exclusiva responsabilidade, para a especialização das áreas registradas em comum. Na hipótese de esta informação não constar do projeto de regularização fundiária aprovado pelo Município, as novas matrículas das unidades imobiliárias serão abertas mediante requerimento de especialização formulado pelos legitimados de que trata esta Lei, dispensada a outorga de escritura pública para indicação da quadra e do lote.
E por fim, após o registro da Certidão de Regularização Fundiária-CRF, o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis, deverá notificar o Incra, o Ministério do Meio Ambiente e a Secretaria da Receita Federal do Brasil para que esses órgãos cancelem, parcial ou totalmente, os respectivos registros existentes no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e nos demais cadastros relacionados a imóvel rural, relativamente às unidades imobiliárias regularizadas.
Como foi referido anteriormente, a Lei impõe obrigações de não fazer, tais como: o Oficial do Registro de Imóveis não pode exigir comprovação do pagamento de tributos ou penalidades tributárias de responsabilidade dos legitimados, porque o registro da CRF dispensa estas comprovações; o registro da CRF aprovado independe de averbação prévia do cancelamento do cadastro de imóvel rural no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-Incra, afastando qualquer exigência neste sentido; o Oficial do Registro de Imóveis, ao receber o pedido de registro da Certidão de Regularidade Fundiária-CRF, não pode exigir a notificação ou notificar os titulares de domínio, os confinantes e terceiros eventualmente interessados, sempre que o Município tenha perfectibilizada a notificação.
Esta presunção pode ser extraída do disposto no artigo 31 da Lei federal n.º 13.465/2017, porque de acordo com o dispositivo, instaurada a Reurb, o Município deverá proceder às buscas necessárias para determinar a titularidade do domínio dos imóveis onde está situado o núcleo urbano informal a ser regularizado. Tratando-se de imóveis públicos ou privados, caberá aos Municípios notificar os titulares de domínio, os responsáveis pela implantação do núcleo urbano informal, os confinantes e os terceiros eventualmente interessados, para, querendo, apresentar impugnação no prazo de trinta dias, contado da data de recebimento da notificação ou tratando-se de imóveis públicos municipais, o Município deverá notificar os confinantes e terceiros eventualmente interessados, para, querendo, apresentar impugnação no prazo de trinta dias, contado da data de recebimento da notificação.
O Oficial do Registro de Imóveis não pode exigir, para os atuais ocupantes das unidades imobiliárias objeto da Reurb, títulos diversos dos compromissos de compra e venda, das cessões e das promessas de cessão, os quais valerão valerão como título hábil para a aquisição da propriedade quando acompanhados da prova de quitação das obrigações do adquirente, e serão registrados nas matrículas das unidades imobiliárias correspondentes, resultantes da regularização fundiária, porque segue a mesma lógica do artigo 26 da Lei do Parcelamento do Solo Urbano.
Alguns atos registrais relacionados à Reurb-S, identificados no artigo 13, parágrafo 1.º, da Lei 13.465/2017, são gratuitos, o que afasta a possibilidade de cobrança de emolumentos. Contudo, para a obtenção da gratuidade para a concessão de direito real de uso ou o domínio pleno do imóvel, o interessado deverá requerer à Secretaria do Patrimônio da União (SPU) a Certidão de Autorização de Transferência para fins de Reurb-S (CAT-Reurb-S), a qual valerá como título hábil para a aquisição do direito mediante o registro no cartório de registro de imóveis competente.
O registro da Certidão de Regularização Fundiária produzirá efeito de instituição e especificação de condomínio, quando for o caso, regido pelas disposições legais específicas, hipótese em que fica facultada aos condôminos a aprovação de convenção condominial, o que afasta qualquer outra exigência do Registro de Imóveis.
E por fim, ainda sobre bens públicos, embora fora do contexto da Reurb, a Lei 13.465/2017 modificou a Lei dos Registros Públicos disciplinando os atos relativos a vias férreas, no sentido de que serão registrados na circunscrição imobiliária onde se situe o imóvel e não mais no cartório correspondente à estação inicial da respectiva linha. Para tanto, a requerimento do interessado, o Oficial do Registro de Imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel abrirá a matrícula da área correspondente, com base em planta, memorial descritivo e certidão atualizada da matrícula ou da transcrição do imóvel, caso exista, podendo a apuração do remanescente ocorrer em momento posterior.
Além disso, estabelece disposições sobre a abertura de matrícula de áreas públicas que já ingressaram no Registro de Imóveis e não estão matriculadas ou ainda não ingressaram e podem ser matriculadas. Neste sentido, se o imóvel for da União, a Secretaria do Patrimônio da União-SPU, encaminhará requerimento ao oficial do referido cartório, acompanhado dos seguintes documentos: planta e memorial descritivo do imóvel, assinados por profissional habilitado perante o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia-Crea ou o Conselho de Arquitetura e Urbanismo-CAU, condicionados à apresentação da Anotação de Responsabilidade Técnica-ART ou do Registro de Responsabilidade Técnica-RRT, quando for o caso; e ato de discriminação administrativa do imóvel da União para fins de Reurb-S, a ser expedido pela Secretaria do Patrimônio da União-SPU, salvo àqueles submetidos a procedimentos específicos de identificação e demarcação, os quais continuam submetidos às normas pertinentes.
Neste caso, o oficial do Registro de Imóveis deverá, no prazo de trinta dias, contado da data de protocolo do requerimento, fornecer à Superintendência do Patrimônio da União no Estado ou no Distrito Federal a certidão da matrícula aberta ou os motivos fundamentados para a negativa da abertura, hipótese para a qual deverá ser estabelecido prazo para que as pendências sejam supridas.
Se o imóvel público pertencer ao Estado ou Município, também deverá apresentar documento que comprove a legitimidade da propriedade pública, como por exemplos: a certidão extraída dos Autos do Processo discriminatório de terras devolutas do Estado, com fundamento no artigo 27, incisos I e II, da Lei federal de n.º 6.383, de 7 de dezembro de 1976; requerimento do Município ao Registro de Imóveis competente para a abertura de matrícula de parte ou da totalidade de imóveis públicos oriundos de parcelamento do solo urbano implantado, ainda que não inscrito ou registrado, com fundamento no artigo 195-A, da Lei dos Registros Públicos.
O procedimento definido no artigo 195-A poderá ser adotado para aberturas de matrículas de glebas municipais adquiridas por lei ou por outros meios legalmente admitidos, em especial às áreas de uso público utilizadas pelo sistema viário do parcelamento urbano irregular, mas pode também ser utilizado, inclusive, para as terras devolutas transferidas ao Município em razão de legislação estadual ou federal, dispensado o processo discriminatório administrativo ou judicial.
A União, os Estados e o Distrito Federal também poderão solicitar ao Registro de Imóveis competente a abertura de matrícula de parte ou da totalidade de imóveis urbanos sem registro anterior, cujo domínio lhes tenha sido assegurado pela legislação, por meio de requerimento acompanhado de planta e memorial descritivo do imóvel público a ser matriculado, dos quais constem a sua descrição, com medidas perimetrais, área total, localização, confrontantes e coordenadas preferencialmente georreferenciadas dos vértices definidores de seus limites; comprovação de intimação dos confrontantes, se for o caso, e as respostas à intimação, quando houver. Este processo pode ser utilizado inclusive para as terras devolutas, dispensado o procedimento discriminatório administrativo ou judicial.
A União poderá adotar ainda, este mesmo processo, para o registro de imóveis rurais de sua propriedade, nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento, desde que informe o código do imóvel, os dados constantes do CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e área, obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas, devidamente certificado pelo Incra, de que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado, observando-se que a certificação do memorial descritivo de glebas públicas será referente apenas ao seu perímetro originário, não se exigindo, por ocasião da efetivação do registro do imóvel destacado de glebas públicas, a retificação do memorial descritivo da área remanescente, que somente ocorrerá a cada 3 (três) anos, contados a partir do primeiro destaque, englobando todos os destaques realizados no período.
Nesta hipótese, para efeitos de abertura de matrícula em nome da União, a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão fará notificação pessoal dos interessados certos alcançados pelo traçado da linha demarcatória para, no prazo de 15 (quinze) dias, oferecerem quaisquer impugnações. Os interessados incertos alcançados pelo traçado da linha demarcatória serão notificados por edital, publicado em jornal de grande circulação no local do trecho demarcado e, também, no Diário Oficial da União, para, que no prazo de 30 (trinta) dias, apresentem impugnações, em face das quais, havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso. O Oficial do Registro de Imóveis, depois de qualificado o pedido, abrirá a matrícula em nome do requerente, não importando se o imóvel é de uso comum, uso especial ou dominical e, na hipótese de haver área remanescente, a sua apuração poderá ocorrer em momento posterior.
Além desses exemplos, qualquer outro título de domínio, inclusive o ato reconhecendo o domínio público em sede de usucapião extrajudicial, observando que o ente público proprietário ou imitido na posse a partir de decisão proferida em processo judicial de desapropriação em curso poderá requerer a abertura de matrícula de parte de imóvel situado em área urbana ou de expansão urbana, previamente matriculado ou não, com base em planta e memorial descritivo, podendo a apuração de remanescente ocorrer em momento posterior.
- Conclusões
As políticas públicas devem se orientar pelos princípios, objetivos e direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal, por isso a política pública de regularização fundiária, regida pela Lei federal n.º 13.465/2017, não pode se afastar deles. Os princípios fundamentais e os objetivos fundamentais são modeladores da concretização dos direitos fundamentais, tanto os de primeira dimensão, como o direito de e à propriedade, como os de segunda dimensão – de natureza social – que exigem do Estado ações positivas, com a finalidade de materializá-los.
Em sintonia com os princípios objetivos e direitos fundamentais, a Constituição trata das políticas urbana e agrária em dois capítulos distintos, permeados pela noção da função social da propriedade. Nesta perspectiva, a função social da propriedade rural é cumprida quando atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Na perspectiva jurídica, as políticas públicas são arranjos institucionais – no âmbito da atividade político-administrativa – produzidos num processo de interação entre a política e o direito, mediados pelos princípios e valores, com vistas à concretização dos Direitos Fundamentais; e o Registro de Imóveis, como instituição certificadora de fé-pública, vai assumindo posição importante como coprotagonista das políticas públicas que dignificam a vida humana, notadamente naquelas que têm por objeto o direito fundamental de e à propriedade, assim como nas políticas públicas que têm por finalidade concretizar o direito social à moradia.
A política de regularização fundiária rural e urbana ganha uma nova roupagem com a publicação da Lei federal n.º 13.465/2017 – conversão da Medida Provisória de n.º 759, 22 de dezembro de 2016 – ao modificar algumas diretrizes pré-existentes e introduzir outras, além de alterações em textos legais que já dispunham sobre o tema ou tinham conexão com a temática e, neste contexto, estabelece normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Rural e a Regularização Fundiária Urbana (Reurb), para todo o território nacional, o que não exclui a competência suplementar dos Estados e, também, as dos Municípios em matéria urbanística.
O regime jurídico da alienação de bens imóveis da Administração Pública direta e autárquica – previsto na Lei federal de n.º 8.666/93 –, tem como regra a subordinação da alienação à existência de interesse público devidamente justificado, prévia avaliação, autorização legislativa e licitação na modalidade de concorrência, embora admitida também a modalidade de leilão para os bens imóveis, cuja aquisição tenha derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento, que poderão ser alienados por ato da autoridade competente.
A Lei federal n.º 13.465/2017 introduziu importantes alterações ao estabelecer normas gerais sobre a Regularização Fundiária Rural e Urbana-Reurb, que devem ser observadas pelos Estados, Distrito federal e Municípios, mas também estabeleceu regramentos específicos para a União e, neste contexto, outorgou à Secretaria do Patrimônio da União-SPU competência para regulamentar os procedimentos para a Reurb promovida em áreas de domínio da União, sem prejuízo da eventual adoção de procedimentos e instrumentos previstos para a Reurb na própria Lei federal de n.º 13.465/2017.
No contexto das alterações, flexibilizou a regularização de bens públicos junto aos Registros de Imóveis, para efeitos de matrícula, afastando algumas exigências para tornar mais célere o processo de regularização. Flexibilizou, também, a outorga de títulos de propriedade de bens públicos, notadamente pertencentes à União, sem a necessidade de autorização legislativa e licitação prévia.
A Lei 13.465/2017 impôs aos Oficiais de Registros de Imóveis obrigações de fazer, destacando-se, entre outros, que o procedimento registral deverá ser concluído no prazo de sessenta dias, prorrogável por até igual período, mediante justificativa fundamentada do oficial do cartório de registro de imóveis; registrada a Certidão de Regularização Fundiária-CRF, deverá ser aberta matrícula para cada uma das unidades imobiliárias regularizadas; o registro da CRF será feito em todas as matrículas atingidas pelo projeto de regularização fundiária aprovado, devendo ser informadas, quando possível, as parcelas correspondentes a cada matrícula; nas matrículas abertas para cada parcela, deverão constar dos campos referentes ao registro anterior e ao proprietário: quando for possível, a identificação exata da origem da parcela matriculada, por meio de planta de sobreposição do parcelamento com os registros existentes, a matrícula anterior e o nome de seu proprietário.
E no âmbito das obrigações de não fazer, destaca-se, entre outros, que o Oficial do Registro de Imóveis não pode exigir comprovação do pagamento de tributos ou penalidades tributárias de responsabilidade dos legitimados, porque o registro da CRF dispensa estas comprovações; o registro da CRF aprovado independe de averbação prévia do cancelamento do cadastro de imóvel rural no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-Incra, afastando qualquer exigência neste sentido; o Oficial do Registro de Imóveis, ao receber o pedido de registro da Certidão de Regularidade Fundiária-CRF, não pode exigir a notificação ou notificar os titulares de domínio, os confinantes e terceiros eventualmente interessados, porque existe a presunção de que o Município providenciou nestes procedimentos.
Bibliografia
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[1] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 61
[2] BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma teoria das políticas públicas, São Paulo: Saraiva, 2013, 140.
[3] COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas, São Paulo: RT, 1997, 18.
[4] GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, São Paulo: Malheiros, 2003, p.25.
[5] SCHMIDT, João Pedro. Para entender as políticas públicas: aspectos conceituais e metodológicos. In: Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Jorge Renato dos Reis e Rogério Gesta Leal (Organizadoras) – Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2008, p. 2.310.
[6] Ibidem, p.2.310
[7] Ibidem, p.2310.
[8] BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma teoria das políticas públicas, São Paulo: Saraiva, 2013, p.11-12.
[9] LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A dignidade humana como critério para o controle jurisdicional de políticas públicas: análise crítica da atuação do Supremo Tribunal federal brasileiro. In: Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Marli Marlene Moraes da Costa e Mônia Clarissa Hennig Leal (Organizadoras) – Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2014, p. 200.
[10] MACIEL, José Fábio Rodrigues. Pluralismo e unicidade na busca da segurança jurídica. Revista Sociologia Jurídica, n.º 06 – N.º 06 – janeiro-junho/2008. Disponível em: http://www.sociologiajuridica.net.br/numero-6/250-pluralismo-e-unicidade-na-busca-de-seguranca-juridica-jose-fabio-rodrigues-maciel> Acesso em: 29 de junho de 2015.