RICHTER & LAZZERON https://richterlazzeron.adv.br Advogados Associados Thu, 06 Apr 2023 18:32:48 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8 https://richterlazzeron.adv.br/wp-content/uploads/2022/12/favico_azul-150x150.png RICHTER & LAZZERON https://richterlazzeron.adv.br 32 32 Lei nº 14.532 de 11/01/2023 https://richterlazzeron.adv.br/lei-no-14-532-de-11-01-2023/ https://richterlazzeron.adv.br/lei-no-14-532-de-11-01-2023/#respond Thu, 06 Apr 2023 18:28:07 +0000 https://richterlazzeron.adv.br/?p=763 Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público.Recebimento pela Presidência:22/12/2022

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Exercício da autotutela da Administração Pública. https://richterlazzeron.adv.br/exercicio-da-autotutela-da-administracao-publica/ https://richterlazzeron.adv.br/exercicio-da-autotutela-da-administracao-publica/#respond Thu, 06 Apr 2023 18:26:34 +0000 https://richterlazzeron.adv.br/?p=761 O Supremo Tribunal Federal efetuou o julgamento do Tema 839 da pauta de repercussão geral, tendo emitido a tese de que, no exercício de seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica relativos à Portaria n. 1.104, editada pelo Ministro de Estado da Aeronáutica, em 12 de outubro de 1964 quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas (RE 817.338/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, DJe 30/7/2020).

No referido julgado, a Corte Suprema lançou a diretriz de que o decurso do lapso temporal de 5 (cinco) anos não é causa impeditiva bastante para inibir a Administração Pública de revisar determinado ato, haja vista que a ressalva da parte final da cabeça do art. 54 da Lei n. 9.784/1999 autoriza a anulação do ato a qualquer tempo, uma vez demonstrada, no âmbito do procedimento administrativo, com observância do devido processo legal, a má-fé do beneficiário.

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Da Propriedade Privada Imobiliária, seus contornos constitucionais e sua múltipla funcionalidade. https://richterlazzeron.adv.br/da-propriedade-privada-imobiliaria-seus-contornos-constitucionais-e-sua-multipla-funcionalidade/ https://richterlazzeron.adv.br/da-propriedade-privada-imobiliaria-seus-contornos-constitucionais-e-sua-multipla-funcionalidade/#respond Wed, 08 Feb 2023 18:34:49 +0000 https://richterlazzeron.adv.br/?p=583 Artigo publicado na Revista do Direito Imobiliário, v. 85, p. 325-346, 2018.

            Introdução

            O direito de propriedade no Brasil sempre teve tratamento constitucional, desde a primeira Constituição Imperial até a atual Constituição, que está completando 30 anos. Se voltarmos os olhos ao passado, é possível ver as mutações evolutivas do direito de propriedade na perspectiva constitucional. Nas primeiras duas Constituições, sob inspiração liberal, o direito de propriedade foi assegurado na sua plenitude, ressalvadas as hipóteses de desapropriação por razões de interesse público. Mas a partir da terceira Constituição, o princípio da função social da propriedade começa a orientar e condicionar o conteúdo do direito de propriedade que vai modificar a sua concepção, destacando-se que a Constituição de 1988 ampliou as dimensões funcionais do direito de propriedade.

A propriedade imobiliária pode ser observada, sob a ótica da evolução sistêmica, como um direito que surgiu em face de decisões que foram sendo tomadas e comunicadas ao longo do tempo, sem que se seja possível estabelecer, a priori, o momento em que teve início o processo histórico de juridicização da apropriação da terra, transformando-a no direito de propriedade. Todavia, é possível especular que desde a época Neolítica o homem, ao se fixar na terra, começa o processo de apropriação, porque isto era a condição necessária para a construção das primeiras moradias permanentes.

No contexto do processo evolutivo, John Locke, embora não defina a propriedade de forma clara no Capítulo V, do Segundo Tratado sobre o Governo, intitulado “Da propriedade” –  porque ora ele trata da propriedade em sentido amplo, contemplando-a como o direito à vida, à liberdade e riqueza, ora em sentido estrito, como o direito aos bens e à terra –, justifica a propriedade como um direito natural, porque cada homem tem um título de direito de propriedade sobre a sua própria pessoa, tornando-o proprietário, não somente de sua vida, mas também de sua liberdade, extensível aos bens materiais.

A noção de propriedade de Locke, além das contribuições de Hobbes, Rousseau e outros, passou a figurar nas principais declarações de direitos, destacando-se a Declaração de Direitos da Virgínia – Virginia Bill of Rights – de 12 de junho de 1776, a qual dispunha “Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança”.

Nesta mesma toada, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – Déclaration des droits de l’homme et du citoyen –, de 26 de agosto de 1789, dispôs, em seu artigo primeiro, que “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum” e, no artigo segundo, que “A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência à opressão” e, por fim, no artigo dezessete, “Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização”.

Estas declarações, oriundas dos movimentos inspirados em ideias de defesa e de proteção da liberdade, na passagem do século XVII para o século XVIII, abriram caminho para o reconhecimento da existência de direitos naturais, inerentes à própria condição de pessoa humana, portanto, universais: mas eram meras declarações. Havia a necessidade de institucionalizar estes direitos, o que veio a ocorrer com a constitucionalização dos direitos, conhecidos hoje como direitos fundamentais de liberdades negativas – também denominados de direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão –, dentre os quais destacam-se a vida, a liberdade e a propriedade, entre outros.

A constitucionalização destes direitos acabou por introduzir princípios e mecanismos com a finalidade de limitar as ações do Estado, com vistas à proteção das liberdades básicas do homem, porque a não intervenção estatal nos direitos naturais seria a garantia de manutenção da liberdade. O direito de propriedade, a despeito das críticas, é encontrado em vários textos constitucionais, destacando-se a Constituição brasileira – artigo 5.º, inciso XXIII, com previsão expressa da garantia do direito de propriedade. Todavia, o sentido e o alcance do direito de propriedade, ainda que considerado como um direito fundamental de liberdade negativa, possui outro sentido e alcance, a começar pela imposição constitucional no sentido de que a propriedade atenderá a sua função social.

Além disso, de acordo com a Constituição, as diretrizes da ordem econômica têm três de seus pilares fundados na propriedade privada, que são as funções social, econômica e ambiental. Esta última corroborada com o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, o que impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, o que pode levar a uma dedução hipotética no sentido de que a propriedade imobiliária no Brasil é multifuncional, destacando-se as funções econômica, social e ambiental.

Em face disto, considerando os 30 anos de vigência da Constituição brasileira, buscar-se-á esclarecer, com base na doutrina e na jurisprudência, o seguinte problema: as funções econômica e ambiental são espécies do gênero “função social”, ou apresentam bases distintas? Inegavelmente, a base das três funções é comum, ou seja: o direito de propriedade. Contudo, parece que a propriedade, na perspectiva social, serve de instrumento para a concretização de direitos sociais; na perspectiva econômica, visa à geração de riqueza, com vistas à busca do pleno emprego e à redução das desigualdades regionais e sociais; e, na perspectiva da função social, visa à conservação do meio ambiente para a presente e as futuras gerações.

A estrutura e o desenvolvimento do texto têm como ponto de partida a propriedade imobiliária privada e os seus contornos constitucionais, estabelecidos pelos princípios, objetivos e direitos fundamentais, a ordem econômica, urbanística, agrária e econômica; na sequência, a dimensão e a função econômica do direito de propriedade imobiliária serão tratadas com base nos pressupostos da ordem econômica; ulteriormente, a função social da propriedade imobiliária será desenvolvida com base nos pressupostos da ordem social; e, por fim, a função ambiental, com base nos princípios e valores que orientam o meio ambiente e a sua relação com o direito de propriedade.

  1. Da propriedade privada imobiliária e os seus contornos constitucionais.

A Constituição de 1988 se diferencia em relação às anteriores, ao estabelecer, nos primeiros artigos, um conjunto de princípios, objetivos e direitos fundamentais que irradiam objetivamente os seus efeitos para todo o ordenamento jurídico e, por extensão, às relações jurídicas públicas e privadas. Especificamente os direitos fundamentais possuem uma dupla dimensão, subjetiva e objetiva, porque não se limitam a ser direitos meramente subjetivos, porque representam, também, decisões valorativas que se projetam para todo o ordenamento jurídico[2].

Estes efeitos são comandos que se conectam com outros títulos e capítulos da Constituição, em especial a ordem econômica e financeira, no âmbito da qual estão compreendidos, entre outros, os títulos atinentes às políticas urbana, agrícola e fundiária e da reforma agrária, assim como o capítulo que trata do meio ambiente. Portanto, a funcionalidade do direito de propriedade está condicionada por um conjunto de princípios e valores finalísticos, definidos pelo texto constitucional. Instaurou-se, portanto, uma nova ordem política e jurídica, concebida numa perspectiva democrática e com forte conotação social, ao colocar o homem na posição de centralidade, assegurando-lhe direitos e garantias fundamentais.

Ao tratar dos direitos fundamentais de liberdade e das respectivas garantias, expressa que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, em consonância com as garantias asseguradas e, também, define os direitos fundamentais sociais, que são: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da Constituição.

O direito de propriedade está arrolado como um direito fundamental e, para o qual, estabeleceu garantias expressas, como por exemplo: a desapropriação somente pode ocorrer de acordo com procedimento estabelecido por lei, com fundamento em necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, com as ressalvas previstas na própria Constituição; o uso da propriedade privada pelo Poder Público somente poderá ocorrer em caso de iminente perigo público, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva.

A Constituição de 1988 é fruto de intensa mobilização social, que garantiu a inserção de demandas setoriais, dentre as quais, um modelo de política urbana democrática, com marcos legais definidores de ações voltadas ao acesso, proteção e uso da propriedade em consonância com os princípios, objetivos e direitos fundamentais, resultando na constitucionalização do direito urbanístico, a qual estabelece as diretrizes básicas a serem complementadas pela legislação infraconstitucional, devendo se conformar com os vetores axiológicos da Constituição, para efeitos de criação, interpretação e aplicação dos bens e valores da sociedade prestigiados na lei fundamental, o que implica uma reordenação das relações, públicas e privadas, que se estabelecem no espaço urbano.

Assim como o direito urbanístico, o direito agrário também foi constitucionalizado, merecendo ampla disciplina normativa, dispondo sobre diretrizes a serem complementadas pela legislação infraconstitucional, destacando-se a preocupação com parâmetros para o acesso, a proteção e o uso da propriedade agrária. Definiu competência exclusiva da União para a desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária, estabelece diretrizes para a distinção entre bens expropriáveis e não expropriáveis para fins de reforma agrária, além de critérios matriciais para a função social da propriedade agrária. Dispôs, também, sobre diretrizes para políticas públicas agrícolas, impôs a compatibilização da destinação de terras públicas e devolutas com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária, entre outras.

Ainda que sem um aprofundamento maior, é possível conjecturar que o direito de propriedade, à luz da Constituição, é um direito fundamental à propriedade e não apenas de um direito fundamental de propriedade, porque se trata de um direito fundamental que tem funções instrumentais com vistas à dignificação da vida humana em sentido amplo, transcendendo a noção do individual para o social. Se por um lado, a Constituição garante o direito de propriedade e, para tanto, o Estado é dotado de várias organizações de natureza administrativa e jurisdicional, por outro, impõe-lhe funções que lhe cabem atender, orientadas pelos princípios, objetivos e direitos fundamentais, destacando-se a social, a econômica e a ambiental, que serão tratadas na sequência.

É no contexto da ordem econômica, que a Constituição faz referência ao direito de propriedade em três dimensões: a) a social, que pode se concretizar no direito fundamental à moradia, na utilização do bem para efeitos de geração de riqueza, parcela da qual pode ser distribuída à sociedade por meio de políticas públicas distributivas; b) patrimonial, de cunho econômico, que permite ao proprietário obter ganhos econômicos decorrentes da utilização e fruição do bem que lhe pertence, além de poder dispor do bem sobre o qual incide o direito de propriedade como um ativo econômico, gerando, direta ou indiretamente, benefícios sociais; e, c) ambiental, que sinteticamente se concretiza pelo uso sustentável da propriedade. Mesmo que a ordem econômica seja o elemento aglutinador das três dimensões funcionais da propriedade, é possível observá-las de forma autônoma, porém não independente.

  • Da função social da propriedade imobiliária à luz da Constituição.

Os princípios, os objetivos e os direitos fundamentais, notadamente na sua dimensão objetiva, irradiam efeitos que perpassam toda a ordem política e jurídica assentada na Constituição, por isso, as dimensões funcionais da propriedade precisam ser observadas de forma a se complementarem[3], porque somente assim se concretiza a teleologia constitucional de dignificação da vida humana. Nesta perspectiva, a propriedade tem na função social um papel importante, assegurando-lhe os meios necessários para a concretização de outros direitos fundamentais, por isso a sua finalidade instrumental, juntamente com as dimensões econômica e ambiental.

Contudo, a despeito da necessária complementaridade existente entre as várias dimensões, é possível tratar individualmente cada uma das funções, especialmente porque cada uma delas apresenta especificidades e finalidades próprias. Neste sentido, é possível afirmar que a função social da propriedade está diretamente vinculada aos direitos fundamentais, que têm na dignidade da pessoa humana o seu foco principal e, por isso, retira do proprietário o gozo unilateral da propriedade, impondo-lhe obrigações de fazer[4] – cumprir a função social – e retira do não proprietário o dever genérico de abstenção, mas lhe atribui o direito de exigir do proprietário o cumprimento da função social da propriedade e, além disso, reivindicar as condições materiais para também aceder ao direito de propriedade[5].

A propriedade, como referido, encontra-se elencada como um dos direitos fundamentais, ao lado de outros, como a liberdade, a vida, a igualdade e a segurança, considerados como de primeira dimensão, em face dos quais o Estado não deve apenas se abster de prejudicá-los, mas, sobretudo, garanti-los. Contudo, se por um lado existe a garantia, por outro, existe, também, a imposição do cumprimento da função social da propriedade, através de instrumentos jurídicos normativos que condicionam o uso da propriedade de acordo com sua finalidade social, porque “os direitos individuais não devem mais ser entendidos como pertencentes ao indivíduo em seu exclusivo interesse, mas como instrumentos para a construção de algo coletivo”[6].

A função social da propriedade, na Constituição Federal, é considerada como elemento estrutural da definição do direito de propriedade privada e, também, irradiador dos efeitos limitadores de seu conteúdo. Isto demonstra que ocorreu a substituição da concepção abstrata de cunho subjetivo de livre domínio e disposição da propriedade, para uma concepção social de propriedade, o que é reforçado por um conjunto de obrigações de fazer e não fazer, imposto ao proprietário, com vistas à concretização de interesses coletivos, visando à finalidade ou utilidade social que cada categoria de bens objeto de direito de propriedade tem o dever de cumprir[7]. Nesta mesma toada é o entendimento esposado por Ministros do Supremo Tribunal Federal[8].

Ainda que o direito de propriedade possa ser considerado como um direito excludente, porque assegura ao seu titular direitos de defesa e, além disso exclui os não proprietários de sua apropriação legítima, certo é que a finalidade da propriedade não pode ficar restrita aos interesses puramente privados. A função social representa a contrapartida que o proprietário deve outorgar em face da sociedade em razão da apropriação privada de um bem finito, por isso o Estado pode intervir no condicionamento do exercício do direito de propriedade sempre que o interesse público justifique, nos termos da lei e do Direito[9].

Na dimensão dos direitos fundamentais, a propriedade assume obrigações em razão do dever de funcionalização imposto aos seus titulares, o que acarretou uma repersonalização do direito de propriedade, deslocando o seu enfoque individualista para um enfoque social, perdendo sua condição finalística individual para ostentar uma condição de meio, de instrumento, um papel social a ser desempenhado, resultado do encontro de dois princípios do Estado Democrático de Direito: “o princípio da garantia da propriedade privada, como concretização do princípio geral da liberdade, e o princípio da função social da propriedade, que concretiza o princípio geral da igualdade”[10]

Mas afinal, o que vem a ser a função social da propriedade e qual é o seu fundamento? A função social da propriedade é a teleologia constitucional condicionante do exercício do direito de propriedade, no âmbito de suas faculdades de usar, gozar, dispor e reaver. E, neste aspecto, se por um lado, é garantido o direito de propriedade, por outro, o conteúdo e o exercício do direito de propriedade estão condicionados ao atendimento de funções que transcendem a esfera individual do proprietário, a começar pela impossibilidade de utilização contrária ao interesse social; o gozo das utilidades também não pode ser prejudicial ao interesse social; a liberdade de disposição sobre o direito de propriedade pode ser limitada em razão de direito de preempção em favor do interesse público, como por exemplo o artigo 25, do Estatuto da Cidade e, também, a faculdade de reaver a propriedade quando estiver em poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, deve se dar nos limites da função social da propriedade.

O fundamento da função social da propriedade é ao mesmo tempo político e jurídico e encontra-se plasmado no texto constitucional. O fundamento político está em atribuir à propriedade uma teleologia de alcance social, indo além da satisfação das necessidades pessoais; e o fundamento jurídico, na constitucionalização dos parâmetros da função social das propriedades urbana e agrária e seus subsolos, nos respectivos títulos reservados às políticas urbana e agrária, afastando o entendimento de que as limitações administrativas, que restringem o exercício do direito de propriedade[11], confundem-se com a função social da propriedade, porque essa interfere com a estrutura do próprio direito[12] de propriedade[13].

A propriedade urbana cumpre sua função social somente quando atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade previstas no plano diretor, o qual deve ser elaborado democraticamente por cada município, em sintonia com os vetores constitucionais e, em caso de não cumprimento da função social, é facultado aos municípios, sempre mediante lei específica para a área incluída no plano diretor, exigir, nos termos do Estatuto da Cidade, do proprietário de solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova a função social, por meio de seu adequado aproveitamento.

Em não ocorrendo a concretização da função social da propriedade, o município pode, sucessivamente, determinar o parcelamento ou a edificação compulsória; instituir imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo e, por fim, se o proprietário não atendeu às determinações pretéritas, o município pode desapropriar o imóvel, com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. Além disso, para atender interesse público ou interesse social, o município pode expropriar o direito de propriedade de imóvel urbano, ainda que esteja cumprindo sua função social, porém, neste caso, a indenização deve ser justa, prévia e em dinheiro.

Ainda em atenção à noção de direito fundamental à propriedade, no contexto da qual está à função social da propriedade, a Constituição estabeleceu também parâmetros facilitadores da aquisição do direito de propriedade, destacando-se a usucapião constitucional, para aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural, cujo título de domínio e a concessão de uso devem ser conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, direito que não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Igualmente, a Constituição estabeleceu os parâmetros da função social da propriedade agrária, a qual somente será considerada cumprida quando a propriedade rural atender, simultaneamente, os critérios e graus de exigência estabelecidos em legislação infraconstitucional, com base nos seguintes requisitos, que orientam as atividades a serem desenvolvidas na propriedade: aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, observância das disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

É possível identificar no texto constitucional a conciliação entre a garantia do direito de propriedade e o princípio da função social da propriedade, inserida no próprio conteúdo do direito de propriedade, isto porque a Constituição indica os parâmetros que devem ser observados para efeitos de aferimento do cumprimento da função social da propriedade, além de estabelecer consequências, positivas ou negativas, vinculadas ao seu cumprimento. A despeito da função social da propriedade abranger todas as formas de propriedade, as propriedades imobiliárias urbanas e agrárias receberam tratamento diferenciado[14].

Percebe-se, decorridos os trinta anos da vigência da Constituição de 1988, que o modelo estrutural, colocando os princípios, objetivos e direitos fundamentais como irradiadores de efeitos com dimensões objetivas, que se projetam para todo o ordenamento jurídico e, também, ao estabelecer por meio de critérios objetivos os parâmetros estruturantes do princípio da função social da propriedade, propiciou à  doutrina elementos importantes para o desenvolvimento teórico sobre o princípio da função social da propriedade; e à jurisprudência instrumentos para assegurar a concretização do princípio.

  • Da função econômica da propriedade imobiliária à luz da Constituição.

A Constituição de 1988 estabelece os fundamentos da ordem econômica e, também, os princípios que regem a atividade econômica, os quais servem de parâmetros para a intervenção do Estado, no exercício da função pública em sentido amplo, que são a soberania nacional, a propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente – inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação-,  a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Além destes princípios, assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Os fundamentos principiológicos da ordem econômica têm por finalidade dotar a economia de instrumentos jurídicos capazes de induzir e condicionar as ações de natureza econômica, com vistas à satisfação das demandas de natureza social e não mais individual. Os meios de produção, ainda que de propriedade privada, assim como a propriedade privada[15], possuem funções econômica-social-ambiental, porque a geração de riquezas possui uma função econômica que é a geração de riqueza, mas esta não pode ser um fim em si mesmo, mas meio para concretizar o bem-estar social, sem agredir o equilíbrio ambiental.

O direito de propriedade inicialmente arrolado como um direito fundamental individual, ainda que condicionado pela função social, é tratado na ordem econômica como um de seus princípios estruturantes, donde é possível afirmar a sua função econômica, conferindo-lhe nova roupagem, se comparado com o seu regime jurídico pretérito, porque foi transformada no seu conteúdo por força de parâmetros constitucionais[16] que se irradiam para todo o ordenamento jurídico por meio de leis infraconstitucionais, decisões judiciais e ações administrativas.

Assim, a partir do tratamento dispensado à propriedade pela Constituição de 1988, é possível inferir que ela possui também uma dimensão e função econômica, porque, ao garantir o direito de propriedade no capítulo da ordem econômica, atribui a ela o sentido de instrumento de concretização dos direitos fundamentais formais e materiais, enquanto condição axiológica que alcança a aplicação e a sistematização de todo o ordenamento jurídico, de modo a impedir a supressão do direito de propriedade, visto que as intervenções na ordem econômica, sejam elas de natureza legislativa, judicial ou administrativa, devem se pautar pela agenda constitucional[17].

A função econômica da propriedade está intrinsicamente relacionada à função social da propriedade, assim como a função ambiental, porém, tem como foco principal o aproveitamento econômico dela em face dos proprietários e, também, dos não proprietários, assim como as consequências jurídicas advindas da utilização e da fruição do bem imóvel, urbano ou rural, de acordo com os parâmetros condicionadores do uso e do gozo. É por meio da utilização dos bens que se estabelecem as condições necessárias para atender às demandas individuais e coletivas, na perspectiva do bem-estar material, com vistas à dignificação da vida humana[18].

Em consonância com os princípios, objetivos e direitos fundamentais e, também, os vetores presentes na ordem econômica, o Código Civil, em seu artigo 1.228, dispõe que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”, o que revela o distanciamento das fontes individualistas e a aproximação com a noção de uso solidário da bem imóvel.

Estas finalidades e condicionamentos estão de acordo com o desenho constitucional do direito de propriedade, notadamente a privada e imobiliária, demonstrando uma propensão explicitamente intervencionista e solidarista contemporânea, porque autoriza as pessoas político-administrativas a intervirem no direito de propriedade, sempre que ela não estiver satisfazendo as funções sócio-econômico-ambiental[19]. Todavia, a não utilização econômica do bem ou a subutilização econômica dele, talvez acarrete predominantemente ofensa ao princípio da função social da propriedade, ensejando a intervenção corretiva e punitiva do Estado e não propriamente ofensa à função econômica do direito de propriedade.

A função econômica da propriedade, que se caracteriza pelo aproveitamento econômico do bem imóvel objeto de direito de propriedade, em princípio não se concretiza por meio de intervenções corretivas ou punitivas, mas por meio de geração de riqueza, tributação, trabalho e desenvolvimento econômico e, também, por meio de políticas públicas que viabilizem o acesso à propriedade, com a finalidade de nela ou com ela desenvolver atividades econômicas ou políticas públicas de fomento, em que o bem imóvel possa servir como ativo garantidor, com vistas a dignificar a vida humana e, também, contribuir para o desenvolvimento econômico e social em geral, atendendo à teleologia constitucional.

O vértice axiológico constitucional, que estrutura o desenho jurídico-constitucional do direito de propriedade, possui na sua base a garantia do direito à propriedade e a sua função social e tem como teleologia a dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1.º; que se concretiza através da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e, também a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, no artigo 3.º; com a finalidade de concretização dos direitos fundamentais, em especial o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, previstos no artigo 5.º; assim como os direitos sociais à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados, previstos no artigo 6.º, de acordo com a ordem econômica, artigos 170 e seguintes, e o meio ambiente ecologicamente equilibrado, artigo 225.

Assim, a dimensão econômica da propriedade, que tem o seu núcleo fundamental na ordem econômica, não pode ser entendida de forma isolada, sem conexão e sintonia com todos os demais vetores axiológicos do vértice constitucional. A utilização econômica dos bens imóveis, na perspectiva constitucional, somente se legitima se contribuir para beneficiar a dignidade da pessoa humana, servindo de ativo econômico para o desenvolvimento nacional, viabilizando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem pobreza e marginalização, assim como a redução das desigualdades sociais e regionais, por meio de políticas públicas de acesso, proteção e uso da propriedade imobiliária privada, promovendo o bem de todos.

Portanto, a função econômica da propriedade, salvo aquela com finalidade precipuamente individual, transcende a noção individualista, que concentrava exclusivamente nas mãos do proprietário todos os efeitos econômicos decorrentes do uso e do gozo da propriedade. Se por um lado, a garantia do direito de propriedade assegura a ele as faculdades de usar, gozar, reaver e dispor; por outro, o uso e o gozo dos benefícios econômicos que a propriedade pode proporcionar vão além da esfera pessoal do proprietário, seja por força de obrigações de não fazer, como por exemplo, o uso prejudicial da propriedade, seja por força de obrigações de fazer, produzindo riquezas que vão contribuir para gerar o bem-estar de todos.

A função econômica não se restringe ao uso e gozo, alcança também a disponibilidade econômica do bem imóvel, que pode estar condicionada pelo interesse público, seja pela previsão legal de situações em que o Poder Público goza de prelação, na hipótese de alienação, bem como na possibilidade de desapropriação do direito de propriedade com a finalidade de atender a utilidade pública ou interesse social. Na primeira hipótese, o proprietário obrigatoriamente tem que ofertar o bem imóvel ao Poder Público nas mesmas condições e preço ofertado aos particulares e, na segunda, o proprietário perde o bem compulsoriamente, mas recebe o equivalente econômico em dinheiro ou em títulos públicos, ressalvadas aquelas propriedades que a própria Constituição reconhece como insuscetíveis de desapropriação por terem funções predominantemente individual.

Contudo, não é suficiente a previsão constitucional da garantia do direito de propriedade e a sua função econômica, porque se trata de previsão em abstrato. Por isso a necessidade de organização administrativa de segurança jurídica que garante, não apenas o direito de propriedade em sentido estático – o direito de propriedade constituído – mas, também, os mecanismos que garantem o direito fundamental à aquisição, assim como a segurança das garantias que se concretizam com a propriedade imobiliária. Neste sentido a competência é do Registro de Imóveis, que tem por finalidade a segurança jurídica do direito de propriedade imobiliária, assim como os direitos reais limitados que incidem sobre o direito de propriedade.

  • Da função ambiental da propriedade imobiliária à luz da Constituição.

Além das funções social e econômica, a propriedade privada também possui uma função ambiental, que muitas vezes vem associada à noção de função social, sob a denominação de “função socioambiental” da propriedade, como se traduzissem o mesmo significado[20]. Trata-se, contudo, do encontro de dois direitos fundamentais, o direito de propriedade e o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, em que o segundo condiciona o exercício do primeiro, com vistas a assegurar a sustentabilidade ambiental intergeracional, em benefício da dignidade da pessoa humana.

O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está fixado na Constituição no artigo 225 e, além disso, estabeleceu os parâmetros para a política nacional do meio ambiente, que obrigatoriamente deve estar em sintonia com os princípios, objetivos e direitos fundamentais, razão pela qual obedece alguns fundamentos específicos, como a sua vinculação à dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, à soberania, à cidadania e ao pluralismo político, com o objetivo de contribuir para a erradicação da pobreza assim como da marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos sem qualquer preconceito, com vistas à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, assim como garantir o desenvolvimento nacional[21] sustentável.

Assim, o direito ambiental brasileiro encontra a sua base estrutural no texto Constitucional, por meio de regras e princípios que se articulam com os princípios fundamentais, com os objetivos fundamentais e com os direitos fundamentais, tanto de primeira dimensão, que são os de defesa onde se destaca o direito de propriedade, bem como os direitos fundamentais sociais, como a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

Sobre a estrutura do direito ambiental na Constituição federal, destaca-se o artigo 225, que dispõe sobre o direito ao meio ambiente, regrando os fundamentos do direito ambiental constitucional, por isso, um direito vinculado ao meio ambiente e não um direito do ambiente, a partir do qual destacam-se quatro aspectos fundamentais, que são: a existência de um direito material constitucional, caracterizado como ‘direito ao meio ambiente’; a confirmação da existência de um ‘bem ambiental’; a necessidade da defesa e da preservação dos bens ambientais, para as presentes e futuras gerações[22].

A ideia de preservação está compreendida no princípio da sustentabilidade, que a despeito de não constar expressamente no texto constitucional, é possível extrair dele a noção de sustentabilidade multidimensional englobando a social, a política, a jurídica, a econômica e a ambiental, porque há que se preservar as conquistas da civilização e ampliá-las, como a noção de bem-estar material da sociedade, a democracia como valor fundamental para a tomada de decisões da sociedade, o direito como vetor da justiça e da segurança jurídica, a economia como instrumento do desenvolvimento gerador de riqueza.

Para Peter Häberle, juspublicista alemão, “é tempo de considerar a sustentabilidade como elemento estrutural típico do Estado que hoje designamos de Estado Constitucional”[23]. Para Canotilho, “a sustentabilidade configura-se como uma dimensão autocompreensiva de uma constituição que leve a sério a salvaguarda da comunidade política em que se insere”[24]. Parece não haver dúvida que a Constituição brasileira, contempla o princípio da sustentabilidade, ao dispor que a República Federativa do Brasil se constituiu em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político e garantir aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

É neste contexto que o conteúdo e o exercício do direito de propriedade estão condicionados ambientalmente pela Constituição federal, que impôs uma releitura do direito de propriedade privada, também sob o aspecto ambiental, para que o uso e o gozo da propriedade não sejam somente em defesa do meio ambiente, mas sobretudo numa perspectiva de sustentabilidade ambiental, com projeção para as presentes e futuras gerações, numa perspectiva coletiva e não individualista.

Portanto, a noção de propriedade privada de cunho individualista, em que o proprietário tinha a liberdade de explorá-la de acordo com os seus desejos egoísticos, cede lugar a condicionamentos de natureza social, econômica e, também, ambiental, visto que, se por um lado mantém o direito de explorá-la em favor do bem-estar, por outro, a exploração está condicionada por regras e princípios de natureza ambiental que lhe impõem obrigações de defesa e preservação do bem, também para as futuras gerações.

Apesar de a propriedade privada ser um direito fundamental e, ao mesmo tempo, instrumento de desenvolvimento econômico, porque potencializa a geração de riquezas, a sua utilização como instrumento de desenvolvimento em sentido amplo precisa ser sustentável, sob pena de romper com o equilíbrio social, econômico, ambiental, ético, ambiental. Isto porque o desenvolvimento está condicionado pela sustentabilidade multidimensional, que compreende as dimensões social, ética, jurídico-política, econômica e ambiental, com vistas ao bem-estar das atuais gerações, assim como as futuras[25].

Nesta perspectiva, a Constituição impõe ao proprietário do imóvel um dever ético e jurídico-político no sentido de utilizá-lo em favor do bem-estar presente, sem, contudo, inviabilizar o bem-estar das futuras gerações, retirando dele a insaciabilidade egoística sobre as utilidades que a propriedade pode oferecer. A sustentabilidade ambiental demonstra que não existe qualidade de vida e longevidade digna em ambiente degradado; a despeito da “modernização ambiental”, o hiperconsumismo é insustentável e a espécie humana corre risco de não perdurar, sem um zeloso resguardo da sustentabilidade ambiental[26], que a despeito de integrar a noção geral de sustentabilidade, tem como foco a proteção e a manutenção a longo prazo dos recursos naturais, através de planejamento, poupança, comportamentos adequados e nos resultados pró-ecologia-ambiente.

A função ambiental da propriedade está condicionada pela noção de sustentabilidade, a qual alcança todos os elementos físicos que podem estar presentes no imóvel, ainda que não necessariamente objetos de direito de propriedade, como o solo, a água, o ar, a flora e a fauna. A Lei Complementar n.º 140, de 8 de dezembro de 2001, dispõe sobre a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição e à preservação das florestas, da fauna e da flora.

No âmbito federal, a função ambiental do solo está condicionada por estatutos jurídicos, como, por exemplo, o Código Florestal, a Lei do Parcelamento do Solo Urbano, a Lei federal n.º 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que regulamenta e disciplina disposições relativas à reforma agrária. A água está sujeita a um regime jurídico de direito público[27], distinto, portanto, do regime jurídico de direito privado incidente sobre a propriedade do imóvel, por se tratar de um bem da espécie de uso comum do povo, afastando qualquer possibilidade de ser considerado como dominical ou de propriedade do titular do direito de propriedade do solo.

O Código Civil, no artigo 1.228, assegura ao proprietário a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Contudo, o exercício deve se dar em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservadas, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

E nos termos do artigo 1.229, a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las. Todavia, nos termos do artigo 1230, a propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais.

Estes dispositivos do Código Civil, entre outros, demonstram que a propriedade privada está em sintonia com o princípio da sustentabilidade, exigindo do proprietário a utilização adequada social, econômica e ambientalmente, em consonância com os valores constitucionais, superando a conotação individualista da propriedade, sem que isto represente a supressão do direito de propriedade, mas a mutação do conteúdo do direito de propriedade.

Conclusões

            O tratamento constitucional do direito de propriedade privada, notadamente a imobiliária, tem como marco divisor a Constituição de 1988. A despeito das disposições das constituições pretéritas acerca do direito de propriedade, reconhecendo inclusive a sua função social, é inegável que a atual modelou o direito de propriedade imobiliária em perspectivas bem diferentes e, além disso, o próprio desenho estrutural da Constituição irradia eficácias verticais e horizontais por força da dimensão objetiva dos princípios, objetivos e direitos fundamentais.

Esta dimensão objetiva irradia comandos que se conectam com outros títulos e capítulos da Constituição, em especial a ordem econômica e financeira, no âmbito da qual estão compreendidos, entre outros, os títulos atinentes às políticas urbana, agrícola e fundiária e da reforma agrária, assim como o capítulo que trata do meio ambiente. Portanto, a funcionalidade do direito de propriedade está condicionada por um conjunto de princípios e valores finalísticos, definidos pelo texto constitucional. Instaurou-se, portanto, uma nova ordem política e jurídica, concebida numa perspectiva democrática e com forte conotação social, ao colocar o homem na posição de centralidade, assegurando-lhe direitos e garantias fundamentais.

A Constituição possui um vértice axiológico constitucional, que estrutura o desenho jurídico-constitucional do direito de propriedade, que tem na sua base a garantia do direito à propriedade e a sua função social e, como teleologia, a dignidade da pessoa humana, a qual se concretiza ao assegurar os direitos fundamentais, em especial o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e, também, a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, assim como os direitos sociais à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados.

Embora o entendimento prevalente, no sentido de que as funções econômicas e ambientais são consideradas aspectos da função social, por isso as designações funções socioeconômicas ou socioambientais, cada uma delas possui suas próprias características que permitem a sua diferenciação. É certo, contudo, que a função social da propriedade não se realiza sem a materialização das funções econômica e ambiental, o que leva a conclusão de que existe uma certa complementaridade entre as três funções da propriedade.

Nos parâmetros constitucionais acerca da função social da propriedade, urbana ou agrária, estão compreendidas diretrizes de natureza econômica e ambiental, o que sugere a noção de complementaridade, albergada pela noção de sustentabilidade em sentido amplo, multidimensional, englobando a social, a política, a jurídica, a econômica e a ambiental, porque há que se preservar as conquistas da civilização e ampliá-las, como a noção de bem-estar material da sociedade, a democracia como valor fundamental para a tomada de decisões da sociedade, o direito como vetor da justiça e da segurança jurídica, a economia como instrumento do desenvolvimento gerador de riqueza.

É nesta perspectiva que a Constituição de 1988, a doutrina e a jurisprudência trabalham o direito de propriedade, impondo ao proprietário obrigações de fazer e de não fazer, cujos efeitos se irradiam para toda a sociedade. A propriedade urbana cumpre a função social quando atende às disposições do plano diretor e a agrária, quando atende aos parâmetros e requisitos constitucionais. A função econômica é atendida quando a propriedade contribui para o desenvolvimento econômico e a função ambiental é atendida quando é preservada e mantida, por meio de utilização racional, no presente e para as futuras gerações.

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[1] Professor de Direito Administrativo, Direito Notarial, Registros Públicos da Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC; professor de Cursos de Especialização em Direito Imobiliário, Notarial e Registral na UNISC e em outras Instituições de Ensino Superior; doutorando em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC; membro do Foro Iberoamericano de Direito Administrativo-FIDA; conselheiro de Jurisprudência da Revista de Direito Imobiliário-RDI e Tabelião de Notas e Registrador.

[2] SARLET, Ingo Wolfgang. Notas introdutórias ao sistema constitucional de direitos e deveres fundamentais. In: Comentários à Constituição do Brasil/J. J. Gomes Canotilho [et al.], São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p.185.

[3] “O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade”. (Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2213-0/DF). Relator: Ministro Celso de Mello.

[4] “O que mais relevante enfatizar, entretanto, é o fato de que o princípio da função social da propriedade impõe ao proprietário – ou a quem detém o poder de controle, na empresa, – o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem. Isso significa que a função social da propriedade atua como fonte de imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer, portanto, e não, meramente, de não fazer – ao detentor do poder que deflui da propriedade. Vinculação inteiramente distinta, pois, daquela que lhe é imposta de concreção do poder de polícia”. GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 10ª ed. São Paulo: Malheiros. 2005. p.245.

[5] CORTIANO JÚNIOR, Eroulths. O discurso jurídico da propriedade e suas rupturas: uma análise do ensino do direito de propriedade, Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

[6] BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005. p.142-143.

[7] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 268.

[8] O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade. [ADI 2.213 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 4-4-2002, P, DJ de 23-4-2004] = MS 25.284, rel. min. Marco Aurélio, j. 17-6-2010, P, DJE de 13-8-2010

[9] “O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República”. (Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2213-0/DF). Relator: Ministro Celso de Mello.

[10] ARONE, Ricardo. Direito à propriedade. In: Comentários à Constituição do Brasil/J. J. Gomes Canotilho [et al.], São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 233.

[11] “Estação ecológica — Reserva florestal na Serra do Mar — Patrimônio nacional (CF, art. 225, § 4º.) — Limitação administrativa que afeta o conteúdo econômico do direito de propriedade — Direito do proprietário à indenização. (…) A circunstância de o Estado dispor de competência para criar reservas florestais não lhe confere, só por si — considerando-se os princípios que tutelam, em nosso sistema normativo, o direito de propriedade –, a prerrogativa de subtrair-se ao pagamento de indenização compensatória ao particular, quando a atividade pública, decorrente do exercício de atribuições em tema de direito florestal, impedir ou afetar a válida exploração econômica do imóvel por seu proprietário. A norma inscrita no art. 225, § 4º, da Constituição deve ser interpretada de modo harmonioso com o sistema jurídico consagrado pelo ordenamento fundamental, notadamente com a cláusula que, proclamada pelo art. 5º, XXII, da Carta Política, garante e assegura o direito de propriedade em todas as suas projeções, inclusive aquela concernente à compensação financeira devida pelo Poder Público ao proprietário atingido por atos imputáveis à atividade estatal. O preceito consubstanciado no art. 225, 4º, da Carta da Republica, além de não haver convertido em bens públicos os imóveis particulares abrangidos pelas florestas e pelas matas nele referidas (Mata Atlântica, Serra do Mar, Floresta Amazônica brasileira), também não impede a utilização, pelos próprios particulares, dos recursos naturais existentes naquelas áreas que estejam sujeitas ao domínio privado, desde que observadas as prescrições legais e respeitadas as condições necessárias à preservação ambiental. A ordem constitucional dispensa tutela efetiva ao direito de propriedade (CF/88, art. 5º, XXII).” (RE 134.297, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 13-6-1995, Primeira Turma, DJ de 22-9-1995.).

[12] “(…) o direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto. A cláusula de sua proteção, embora inscrita na Carta Política, não lhe confere, ante a supremacia do interesse público, intangibilidade plena. Mas impõe, ao Estado, para que possa afetá-lo de modo tão radical, o dever de respeitar os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição. Tais restrições ao poder expropriatório do Estado objetivam, em última análise, dispensar tutela jurídica efetiva às pessoas que titularizam o direito de propriedade (…)” (MS 25.793, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 5-11-2010, DJE de 11-11-2010.)

[13] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22.ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2003.

[14] FACCHINI NETO, Eugênio. A função social da propriedade e o direito constitucional brasileiro: breves notas. In: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar F; SARLET, Ingo W.; STECK, Lenio L. (Coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p.2.380p.

[15] Vale lembrar que os Estados sócios-liberais, como o nosso, conquanto reconheçam e assegurem a propriedade privada e a livre empresa, condicionam o uso dessa mesma propriedade e o exercício das atividades econômicas voltadas ao bem-estar social. Portanto, há limites para uso e gozo dos bens e riquezas particulares e, quando o interesse público o exige, intervém na propriedade privada e na ordem econômica, através de atos de império tendentes a satisfazer as exigências coletivas e a reprimir a conduta antissocial da iniciativa particular. Como vimos, modernamente, o ‘Estado de Direito’ aprimorou-se no ‘Estado do Bem-Estar’, em busca de melhoria das condições sociais da comunidade. Não é o ‘Estado Liberal’, que se omite ante a conduta individual, nem o ‘Estado Socialista’, que suprime a iniciativa particular. É o Estado orientador e planejador da conduta individual no sentido do bem-estar social. (grifo do autor). SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 55.

[16] “[…] a Constituição não estava simplesmente preordenando fundamentos às limitações, obrigações e ônus relativamente à propriedade privada, mas adotando um princípio de transformação da propriedade capitalista, sem socializá-la, um princípio que condiciona a propriedade como um todo, não apenas seu exercício, possibilitando ao legislador entender com os modos de aquisição em geral ou com certos tipos de propriedade, com seu uso, gozo e disposição”. SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 738

[17] ARONE, Ricardo. Direito à propriedade. In: Comentários à Constituição do Brasil/J. J. Gomes Canotilho [et al.], São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.

[18] Além daqueles princípios fundamentais – livre iniciativa e valor social da iniciativa humana – enumerados em seu caput, o art. 170 das Constituição relaciona em seus nove incisos os princípios constitucionais da ordem econômica, afirmando que esta tem por fim assegurar a existência digna, conforme os ditames da justiça social, respeitados os seguintes princípios: soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. Estes princípios perfazem um conjunto cogente de comandos normativos, devendo ser respeitados e observados por todos os “Poderes”, sob pena de inconstitucionalidade do ato praticado ao arrepio de qualquer deles. Portanto, serão inadmissíveis (inválidas) perante a ordem constitucional as decisões do Poder Judiciário que afrontarem estes princípios, assim como as leis e qualquer outro ato estatal que estabelecer metas e comandos normativos que, de qualquer maneira, oponham-se ou violem tais princípios. (grifo do autor). TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 134

[19] TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.304.

[20] ARAÚJO, Giselle Marques de. Função Ambiental da Propriedade: uma proposta conceitual. Revista Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 14, n. 28, p. 251-276, jan./abr. 2017. Disponível em:<http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view985>. Acesso em: dia 15/09/2018.

[21] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Fundamentos constitucionais do direito ambiental brasileiro, in: LUCCA, Newton De; MEYER´PFLUG, Samantha Ribeiro; NEVES, Mariana Barboza Beata (Coordenação). Direito constitucional contemporâneo. Homenagem ao Professor Michel Temer, São Paulo: Quartier Latin, 2012.

[22] Ibidem

[23] HABERLE, Peter. “Nachhaltigkeit und Gemeineuropäisches Verfassungsrecht”, in Wolfgang Kahl (org.), Nachhaltigkeit als Verbundbegriff, Tübingen, 2008, p. 200.

[24] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O Princípio da sustentabilidade como Princípio estruturante do Direito Constitucional. Tékhne, Barcelos, n. 13, p. 07-18, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-99112010000100002&lng=pt&nrm=iso> acessos em  17  set.  2018.

[25] FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro, 3ª Edição, Belo Horizonte: Fórum, 2016.

[26] FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro, 3ª Edição, Belo Horizonte: Fórum, 2016, p.18

[27] A Lei Federal n.º 9.433, de janeiro de 1997 – Instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal e dispõe no inciso I, do artigo 1.º, que a água é um bem de domínio público.

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Os Serviços Notariais e de Registros Públicos, avanços tecnológicos e a interface com a luta contra a corrupção. https://richterlazzeron.adv.br/os-servicos-notariais-e-de-registros-publicos-avancos-tecnologicos-e-a-interface-com-a-luta-contra-a-corrupcao/ https://richterlazzeron.adv.br/os-servicos-notariais-e-de-registros-publicos-avancos-tecnologicos-e-a-interface-com-a-luta-contra-a-corrupcao/#respond Wed, 08 Feb 2023 18:31:01 +0000 https://richterlazzeron.adv.br/?p=579 Artigo publicado na Revista de la Facultad de Derecho y Ciencias Sociales e Políticas. v. 10, n. 19, p. 379-415. 2016. p. 409-410.

Resumo

O texto tem como tema a governança, novas tecnologias e a possível contribuição dos serviços notariais e de registros públicos no combate à corrupção e, como problema de investigação: existe alguma governança envolvendo as novas tecnologias e os serviços notariais e de registros públicos voltada à luta contra a corrupção? A hipótese é a de que existem governanças envolvendo as novas tecnologias, com o seu instrumental sistêmico e operacional e os serviços notariais e de registros públicos, na condição de instituições públicas, voltadas à proteção de interesses privados podem contribuir na luta contra a corrupção, o que acabou sendo confirmado.

Palavras-chave: governança, corrupção, serviços notariais, registros públicos.

Introdução

Este artigo é uma construção teórica sobre o tema envolvendo governança, novas tecnologias e a possível contribuição dos serviços notariais e de registros públicos no combate à corrupção, sem a pretensão de apresentar tese inovadora, apenas com o propósito de buscar esclarecimentos acerca do tema e as contribuições na luta contra a patologia corruptiva presente na Administração Pública. Disciplinarmente, o texto transita pela Teoria do Direito, Teoria Geral do Direito, Direito Constitucional, Direito Administrativo, baseado em revisão bibliográfica parcial dos estudos desenvolvidos sobre a corrupção.

O problema que orienta o trabalho investigativo é examinar se existe alguma governança envolvendo as novas tecnologias e os serviços notariais e de registros públicos voltada à luta contra a corrupção? A hipótese é a de que existem governanças envolvendo as novas tecnologias, com o seu instrumental sistêmico e operacional e os serviços notariais e de registros públicos, na condição de instituições públicas, voltadas à proteção de interesses privados podem contribuir na luta contra a corrupção.

O objetivo é saber se já existem governanças estruturadas no âmbito governamental nas quais estão presentes as novas tecnologias, notadamente aquelas que se valem do uso da rede mundial de computadores e os serviços notariais e de registros públicos, com a finalidade de enfrentar a corrupção. Para tanto, inicialmente a abordagem tem como foco a corrupção e as patologias corruptivas, na sequência aspectos da governança como meio preventivo e curativo da corrupção e, por fim, os serviços notariais e de registros públicos como instrumentos preventivos na luta contra a corrupção.

Da corrupção e das patologias corruptivas

Embora não seja um fenômeno recente, porque ao longo da trajetória humana foi objeto de reflexão filosófica em Aristóteles, Platão, Kant entre outros[1], é inegável que no século XXI a corrupção atingiu um grau de sofisticação e complexidade numa dimensão global, dantes nunca visto. Possivelmente vários fatores contribuíram para a formação do cenário atual, dentre os quais a globalização da economia e a flexibilização dos instrumentos de controle do Estado, forjados no século XX.

A corrupção é um tema multisetorial, multifacetário, que permeia relações institucionais na esfera pública, entre a esfera pública, mercado e sociedade civil e, também, nas relações no âmbito do mercado[2], formando um cenário diferente daquele estipulado pela lei e os princípios que regem a boa Administração Pública, em particular o princípio da moralidade pública, na esfera pública e os princípios da probidade e da boa-fé no âmbito privado, produzindo resultados nefastos para a sociedade.

Embora se tenha um diagnóstico razoável deste cenário, em face da ampla atuação da mídia, das instituições policiais, do Ministério Público, do Poder Judiciário, dos órgãos de controle interno e externo, ainda há muito por fazer para alcançar resultados que recoloquem as relações num quadro de confiança e credibilidade, tanto na esfera pública quanto privada.

Nesta perspectiva, a “corrupção tem evidenciado ao longo do tempo faces multisetoriais e capacidade de expansão infinita na rede de relações sociais e institucionais, públicas e privadas, do cotidiano, nos últimos tempos ganhando maior notoriedade em face da difusão e redifusão midiática tradicional (jornais, televisão, rádio) e alternativa (blogs, twiters, facebooks, redes sociais, etc.), não se extraindo daí, em regra, análises, diagnósticos e prognósticos mais aprofundados de suas causas e consequências”.[3]

Trata-se, portanto, de um problema social, ético e jurídico, ainda que possa apresentar transversalmente implicações de ordem econômica, porque ela se caracteriza de um lado, por um desvirtuamento comportamental ético e, por outro, como uma atuação no plano da ilegalidade do agente público provocando malefícios à boa gestão da Administração Pública e corroendo as instituições democráticas, tal qual um vírus nefasto que agride um organismo.

            Todavia este quadro de confiança e credibilidade não se constrói com soluções mágicas, intervenções paliativas, porque o enraizamento da corrupção no cenário brasileiro é tão profundo, formando, inclusive, o que se poderia chamar de uma cultura da corrupção, o que requer mudanças profundas não apenas nos hábitos e costumes, mas também na construção de governanças eficazes contra a corrupção.

            A eficácia da luta contra a corrupção exige, além do instrumental operacional eficiente e eficaz, a construção de uma governança fundada em relações articuladas, democráticas e republicanas entre os vários atores políticos e sociais que podem contribuir para o enfrentamento da corrupção, por meio de políticas públicas, ainda que setoriais, mas que dialoguem entre si, formando uma teia de cobertura que diminua o espaço onde se desenvolvem as patologias corruptivas.

Em princípio todo ato qualificado como corrupção, resulta de uma ação ou omissão contrária à lei, ao Direito e ao conjunto axiológico que estabelecem as diretrizes da organização política e jurídica de determinada sociedade. Todavia, como já foi referido, a corrupção é um fenômeno multisetorial e multifacetário, o que exige reflexões transdisciplinares, para efeitos de compreensão e a adoção de mecanismos de contenção.

 Quando o ato comissivo ou omissivo tem consequências no âmbito da sociedade é chamado de fato social e interessa à Sociologia, como ocorre com a corrupção, porque está instalada nas relações sociais. No campo ético a corrupção se caracteriza pelo desvio de conduta em relação às normas éticas que orientam a democracia, o bom governo e a boa administração pública em sentido amplo. Em síntese é possível afirmar que a corrupção é um fenômeno complexo e interdisciplinar porque apresenta elementos que devem ser analisados no âmbito subjetivo, relacional, normativo e socioinstitucional porque atinge os campos da ética, da filosófica, da política, do direito, da sociologia, etc.

A palavra corrupção provém do latim Corruptione, o que significa corrompimento, decomposição, devassidão, depravação, suborno, perversão, peita. Todavia, nem sempre a corrupção assume uma conotação negativa, quando se trata, por exemplo, da corrupção de uma língua para o desenvolvimento de outra. É justamente o que ocorreu com quando o latim foi corrompido e surgiram outras línguas, dentre as quais se destaca o português de Portugal que por sua vez foi mais corrompido e resultou na língua portuguesa falada e escrita no Brasil.

Ademais, determinadas condutas que hoje são consideradas corruptas como, por exemplo, a peita, o nepotismo e o peculato não tinham essa conotação até há pouco tempo atrás em termos históricos, considerando que “a  peita estava instituída como um pacto entre os fidalgos e a plebe nos regimes monárquicos para garantir o pagamento de tributos do povo aos nobres; o nepotismo era reconhecido como um princípio de autoridade da Igreja na Idade Média, segundo o qual os parentes mais próximos do Papa tinham privilégios sociais aceitos pela sociedade da época; o termo peculato, originalmente, indica que o gado constituía a base da riqueza de determinados grupos sociais privilegiados e, posteriormente, a expressão “receber o boi” passou a ser usada para designar “troca de favores”, pois o gado servia como uma forma de moeda em certas regiões rurais”.[4]  

Na esfera pública, o desvio de poder e o enriquecimento ilícito são dois elementos importantes na definição da corrupção, porque indicam o uso ou a omissão, pelo agente público, do exercício das prerrogativas públicas outorgadas pelo ordenamento jurídico, com vistas a obtenção de vantagens indevidas para si ou terceiros, em detrimento dos legítimos fins contemplados pelo Direito.[5]

            Nas palavras de Renato Janine Ribeiro, não existe corrupção sem uma cultura de corrupção, porque “os costumes funcionam como cimento de obediência, como linguagem comum pela qual nos entendemos, pela qual constituímos nossa coisa pública, no caso republicano, ou nossa contrafação da república, quando a corrupção se generaliza”.[6] Entende-se por cultura da corrupção a aceitação, ainda que tácita e apenas de uma parcela da população, considerável, todavia, de comportamentos desonestos com vistas a tirar vantagens indevidas.

            Se considerarmos cultura – no âmbito das ciências sociais – como uma construção social, fundada no conjunto de ideias, valores, comportamentos, etc., então pode-se afirmar que a corrupção não é algo conatural ao homem, ou seja, o homem não nasce corrupto pelo fato de ser humano. Ele aprende a ser corrupto! Se ele aprende, pode desaprender ou não aprender. Por isso a necessidade dos mecanismos preventivos e curativos para o enfrentamento das patologias corruptivas.

Para outros, como Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, a corrupção reside na ausência de uma consciência coletiva acerca da honestidade com o trato da coisa pública, porque nem sempre a população pede a punição dos envolvidos em fatos qualificados como corrupção, em razão da fragilidade de padrões éticos. A corrupção estaria associada à fragilidade de padrões éticos da sociedade, que se projetam no comportamento ético do agente público. Assim, “um povo que preza a honestidade terá governantes honestos. Um povo que, em seu cotidiano, tolera a desonestidade e, não raras vezes, a enaltece, por certo terá governantes com pensamento similar.”[7]

            A ética é o campo de reflexão sobre o que queremos ou devemos fazer e a justificação daquilo que pensamos e dizemos. Nesta perspectiva, José Manuel Santos escreve que “O objetivo da ética não é conhecer o estado do mundo e das coisas, mas saber como viver ou como agir”.[8] Todavia, para o autor, isso não significa que a tarefa da ética se confunde como uma orientação mecânica do agir, porque inclui a necessária justificativa de uma determinada maneira de agir.[9] Embora a ética muitas vezes é tomada como sinônimo de moral, existe distinção, dado que a reflexão ética tem como uma de suas pretensões encontrar a justificativa racional para determinado comportamento. Portanto, a pretensão da ética não é simplesmente estabelecer regramentos morais, mas regras morais que possam justificar o agir ou o não agir no âmbito das relações mundanas.[10]

Todos os povos têm suas tradições, seus valores morais e em alguns momentos a reflexão ética sobre os valores morais é mais acentuada do que em outros, notadamente, quando os valores morais não atendem mais as necessidades em termos comportamentais, causando um mal-estar, o que pode pressupor várias causas, como por exemplo, a sobreposição dos valores relacionais ao ter, em detrimento aos valores orientadores do ser; a perda da crença em normas e valores herdados dos antepassados e que perderam a credibilidade, porque não conseguem mais responder à questão do porquê?[11]

A corrupção envolvendo agentes públicos ordinariamente está localizada na interface entre o setor público e o setor privado e, nessa perspectiva, pode ser classificada como política ou burocrática. A política tem o seu locus nos altos níveis hierárquicos, enquanto a burocrática habita os espaços onde se processam as atividades burocráticas cotidianas, como por exemplo, quando um servidor público recebe propina para deferir uma licença que não poderia ser deferida.

Para Bruce E. Gronbeck, a corrupção política é a que se situa no largo espectro de patologias políticas, sendo estas atos e intenções que violam as leis, procedimentos e expectativas ideológico-culturais de um sistema político,[12] que se manifesta em especial no ambiente dos “policy maker”, que são os atores formuladores das políticas públicas, que ao invés de visar o interesse público, procuram beneficiar políticos e legisladores.[13] A corrupção burocrática também é comportamental, todavia se apresenta de forma diferente, visto que nesta aparece quando o agente público aceita dinheiro ou equivalente para fazer algo que é sua atribuição legal, ou que não fazer; ou, ainda, quando exerce um poder legítimo por razões impróprias.[14]

Embora ocupem o mesmo locus que é a esfera pública, a corrupção política se situa predominantemente na esfera governamental, onde são tomadas as decisões de natureza política no âmbito de uma maior discricionariedade, enquanto a corrupção burocrática se localiza predominantemente na esfera administrativa, cujas decisões afetam direta e concretamente os interesses e direitos dos cidadãos. Ainda que se faça a distinção conceitual entre as duas formas de corrupção – a política e a burocrática, enfatiza-se, de um lado, que ambas têm uma característica comum, que é a natureza ilegal da apropriação de renda e do uso da função pública para fins privados; e de outro, que os agentes políticos e administrativos se corrompem no momento da escolha que devem fazer.

Se estiverem comprometidos com os padrões éticos que orientam a boa administração pública, se afastarão da corrupção, todavia, se a escolha for orientada para outros fins, é grande a possibilidade de ocorrer a corrupção. Um dos problemas que desafia o controle da corrupção, é que a política nem sempre é pautada pela razão teórica do homem virtuoso, compromissada com a moral e a ética do dever ser, mas guiado pela razão prática e pragmática com vistas a alcançar fins imediatos de projetos institucionais, pessoais e corporativos, contaminando a virtude cívica cidadãos e viciando a “legitimidade de determinados modelos e experiências da democracia representativa, haja vista a ausência de consensos em torno de valores e princípios que a sustentem.”[15]

Portanto, o que afasta ou coloca o agente público no cenário de relações corruptivas, são as escolhas, porque as possibilidades dessas são infinitamente maiores do que as escolhas que ele pode fazer. De um lado existe uma demanda pública a ser atendida, orientada por um conjunto de regras e princípios legitimadores das ações para alcançá-la; de outro, existe um universo de possibilidades que potencializam escolhas estranhas ao interesse público, mas que podem satisfazer interesses individuais e imediatos do agente público.

Por isso o agente público é uma peça importante no processo de controle e combate da corrupção, visto que não bastam regras estabelecendo formas de contratar e de licitar para a administração pública. É preciso fazer com que os princípios da moralidade, publicidade, transparência, legalidade, etc., sejam observados e, além disso, é preciso estabelecer, além da ética pública, uma ética do agente público, que imponha a ele a responsabilidade pelos seus atos, dado que ele expressa a vontade e as ações da Administração Pública, operando fatos e negócios jurídicos.

Neste sentido, as ações para a concretização do interesse público, devem ser mediadas por uma ética da função pública, definida por Jaime Rodriguez-Araña, como “[…] la ciencia del servicio público en orden a la consecución del bien común, del bien de todos haciendo, o facilitando, el bien de cada uno de los miembros de la sociedad”.[16] Para Oscar Diego Baudista, a ética pública “[…] señala principios y valores deseables para ser aplicados en la conducta del hombre que desempeña una función pública”.[17] Os princípios e valores são as diretrizes alinhadas com os princípios, objetivos e direitos fundamentais previstos constitucionalmente.

Os princípios e valores regentes da função pública passou a ser, também, preocupação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico – OCDE, dado que muitos países sofreram uma sensível defasagem de confiança nas Administrações Públicas, razão pela qual, os governos dos países da OCDE “[…] sienten la necesidad de reaccionar ante esta situación, con independencia de sus planteamientos sobre las causas o la gravedad del problema. La ética y los principios en la vida pública se han convertido en una importante cuestión de interés público en estos países, interés que se refleja en la variedad de intentos de «limpiar» la vida pública incluida la revisión de los sistemas de gestión ética y de comportamiento de los funcionarios.[18]  

A ausência de uma postura ética firme da Administração Pública, sintonizada com os valores que informam a Democracia, o bom governo e a boa administração, estimula o meio ambiente fraudulento e corrupto, tanto na formulação de políticas públicas, quanto na seara das compras e contratações gerando uma competitividade às avessas. Ao invés de a competitividade se dar em face do preço do bem contratado, ela se dá no âmbito das propinas, ou seja, quem paga a maior “comissão” contrata com a Administração Pública.

Outro fato grave que corrompe os valores da democracia e das instituições políticas ocorre quando o Poder Legislativo, responsável pela produção das regras formais em consonância com os princípios e valores da Constituição, aprova leis de modo a inviabilizar a apuração e a punição dos atos de corrupção, normalmente encobertas com a retórica de que buscam aperfeiçoar a legislação.[19]

            Pelo exposto percebe-se que a corrupção vai muito além de meros atos de desonestidade, ferindo o princípio da moralidade. Ela é atualmente sistêmica e transcende as fronteiras dos Estados, projetando-se para todos os quadrantes, destruindo os necessários níveis de confiança e prejudicando a concretização dos direitos fundamentais. Por essa razão ela passou a ser considerada como um fenômeno patológico, porque corrói a tessitura relacional entre Estado, Administração Pública e sociedade. Por isso não se trata – com ações preventivas e curativas – fundadas em soluções mágicas, imediatas e midiáticas, porque tais questões reclamam mudanças profundas em hábitos e costumes culturais, políticos e institucionais.[20]

Inovações tecnológicas no âmbito da gestão pública

Ao longo da história o homem foi produzindo ondas tecnológicas que modificaram o modo de viver, de se comunicar, de se relacionar. A título de exemplificação, nos anos 1900 a química foi a responsável pela inovação; nos anos de 1930 foi a vez da física; nos de 1960 a tecnologia da informação e nos anos 2000 a biologia. Cada uma dessas inovações tecnológicas permitiu uma alavancagem na vida e nas organizações. As inovações Tecnologias da Informação (TI) produziram duas importantes ondas de inovação na administração do Estado.

A primeira onda, a das tecnologias analógicas, está relacionada aos computadores de grande porte e, a segunda, decorrente da revolução digital, “[…] associada ao advento da microcomputação, interface gráfica, Internet e linguagens de programação orientadas a objetos e lógicas.”[21] As novas tecnologias de informação, notadamente da Era Digital, provocaram modificações na natureza e no modo de funcionamento da democracia, do governo e do próprio Estado, porque ‘El Estado devbe prepararse para responder al nuevo ciudadano que está emergiendo: mas inidividualista, más autossuficiente y exigente – The Net Generation, al decir de Dan Tapscot – como consecuuencia de um acceso a información global em tempo real que no há tenido precedentes em la historia de la humanidade.”[22]

O modelo de Administração Pública burocrática, do século XX, foi impactada por duas ondas reformistas de gestão pública, na década de 1990, que são: o Novo Gerencialismo Público e a Administração Pública Societal-SPA. Com a ampliação e popularização das Tecnologias de Informação e da Comunicação, surgiu a Governança da Era Digital-DEG.[23]

O Novo Gerencialismo Público-NPM, teve como foco principal a eficiência e, nesse sentido tem a sua atuação orientada por metas, objetivos e indicadores de êxito, ou seja, adotando padrões econômicos do setor privado. Porém, as estratégias do setor público diferem das estratégias do setor privado, por que o valor público está relacionado ao atendimento de objetivos projetados no âmbito das políticas públicas e pela prestação de serviços públicos, enquanto o valor privado decorre em boa parta da eficiência administrativa.[24]

Numa etapa mais recente, surge a Administração Pública Societal-SPA no Brasil, com a finalidade de “[…] romper com a forma centralizada e autoritária de exercício do poder público,”[25] num contexto em que o projeto política potencializa a […] participação dos atores sociais na definição da agenda política, criando instrumentos para possibilitar um maior controle social sobre as ações estatais e monopolizando a formulação e a implantação de ações públicas.”[26]

Um dos pilares da Administração Pública Societal-SPA é governança responsiva, caracterizada pela “[…] relação de empoderamento entre os cidadãos e o Estado; seus princípios orientadores são a responsabilização, a transparência e a participação [e] a responsividade.”[27]  Governança responsiva é aquela que facilita as transações e os fluxos relacionais entre a Administração Pública e a Sociedade, razão pela qual, o foco da Administração Pública societal é a participação dos cidadãos nas tomadas de decisões relacionadas com o interesse público.

A participação é apoiada em novas formas de pensar agir, com apoio nas modernas tecnologias de informação e comunicação, o que contribui para tomadas de decisão com base num volume maior de informações e transparência, além de permitir uma relação dialógica entre governo e cidadania, “[…] possibilitando ao usuário resolver múltiplos problemas em um único ponto de acesso virtual, com implicações na responsividade e responsabilização governamentais.”[28]

A Governança da Era Digital-DEG, com suporte na rede mundial de computadores, do e-mail, da Web e da Tecnologia de Informação em geral, que tem contribuído para uma nova modelagem para a Administração Pública, onde as Tecnologias de Informação e Comunicação desempenham um papel fundamental na busca pela ampliação da eficácia da administração pública. Elas são vitais porque potencializam, além da alocação dos recursos públicos, também, a intercomunicação entre os órgãos governamentais e atores sociais, mas sobretudo “[…] o redesenho de processos de governo, de modo a atender as necessidades dos usuários e a ampliar os meios de acesso aos serviços públicos e à própria Administração.”[29]

Na Governança digital, além da eficiência, principal foco do Novo Gerencialismo Público e, a participação, principal foco da Administração Pública Societal-SPA, modela uma Administração Pública, que “[…] delega às TIC e aos profissionais de TI um papel central e transformador.”[30] A governança pode servir como um dos meios de prevenção e correção da corrupção, visto que voltado à cidadania e, ao mesmo tempo, oferece mecanismos ágeis e eficazes para a transparência da Administração Pública.

Da governança como meio preventivo e curativo da corrupção

            A Constituição Federal preconiza que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, que tem como fundamento nos princípios da soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, cujo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição. Ademais, tem como objetivos fundamentais, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A organização político-administrativa brasileira compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, portanto, uma administração pública em várias esferas, que atua direta e indiretamente e está sujeita à obediência aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. É neste contexto que deve se pensar a governança, comprometida com os valores, princípios, objetivos e direitos fundamentais na perspectiva de um Estado Democrático de Direito.

            Nesta perspectiva, impõe-se o conserto do Estado e da Administração Pública, com a finalidade de resgatar a dívida social, sem se afastar do paradigma democrático. Por isso a discussão contemporânea sobre o novo Estado tem se preocupado com os requisitos políticos, societais, organizacionais e gerenciais que o tornem eficaz e eficiente, capaz de enfrentar os desafios que se impõem e os dilemas que se apresentam.

Em 1992 o Banco Mundial expediu um documento denominado Governance and Development, priorizando não mais os programas de ajuste estrutural, mas focando na reforma do Estado, visando a qualificação da Administração Pública, através da promoção da boa governança e o fortalecimento da sociedade civil. Nesta perspectiva o Banco Mundial estabeleceu quatro dimensões-chave para a boa governança: administração do setor público; quadro legal; participação e accountability; e informação e transparência.

O propósito destas dimensões-chave visa “[…] aprofundar o conhecimento das condições que garantem um Estado eficiente.”[31]  Por isso, “[…] deslocou o foco da atenção das implicações estritamente econômicas da ação estatal para uma visão mais abrangente, envolvendo as dimensões sociais e políticas da gestão pública.”[32] A boa governança é a essência da governança, que tem como fundamento legitimador os princípios, objetivos e direitos fundamentais, que impõe uma atuação estatal em sintonia com os princípios de participação, accountability, informação e transparência.

A governança Pública é a forma como o Governo e a Administração Pública estabelecem interlocuções legítimas com os atores sociais, para efeitos de tomadas de decisões acerca de prioridades e a utilização dos meios necessários para a elaboração e execução de políticas públicas, em sintonia com os princípios da participação, accountability, informação e transparência, sem, contudo, se afastar dos princípios, objetivos e direitos fundamentais. Governance “[…] diz respeito à capacidade governativa no sentido amplo, envolvendo a capacidade de ação estatal na implementação das políticas e na consecução das metas coletivas.”[33]

Ademais, a governança está presente na interface colaborativa entre a sociedade, governo e administração pública, que tem como pano de fundo a transparência, em parte por uma exigência cada vez maior de controle e, por outra, porque operacionalmente o avanço das tecnologias de informação, viabilizam a transformação da sociedade passiva em ativa, a qual passa a desenvolver ações com vistas à transparência em todas as esferas sociais, econômicas e públicas.[34] O princípio da participação popular é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, que atribui à cidadania voz ativa nos processos decisórios da Administração Pública, garantido pelo direito fundamental à informação.

Por isso, transparência não significa apenas colocar informações à disposição do cidadão, como por exemplo, publicação de dados em portais públicos e o oferecimento de serviços públicos eletrônicos. A Administração Pública precisa prestar contas aos cidadãos e aos órgãos de controle, tanto no aspecto quantitativo como qualitativo. É preciso que se materialize a accountability, que impõe àquele que desempenha função pública explique regularmente o que faz, como faz, por que faz, quanto gasta, a origem dos recursos e os resultados esperados.

O acesso à informação é um direito fundamental, corolário do Estado Democrático de Direito, que de um lado assegura o direito de participação e, de outro, exige transparência na atuação do agente público. A transparência, informada pelo princípio da publicidade, exige que as comunicações da Administração Pública, relacionadas a atos, contratos e procedimentos da Administração Pública, sejam transparentes, e por isso ela funciona, no mais das vezes, como requisito “[…] de eficácia e, de modo indisputável, associa-se à moralidade, […]”.[35]

Neste contexto a governança digital aproxima a sociedade e a Administração Pública, visto que ela é instrumentalizada por Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), que integram o conjunto de características funcionais e institucionais do Estado contemporâneo, em particular, “[…]a forma com a qual a administração pública organiza as suas rotinas de trabalho e relaciona-se com os diversos integrantes do corpo social, dentro e fora de suas fronteiras.”[36]

A Governança da Era Digital é entendida como um instrumental complexo que favorece a agilidade governamental, com foco no usuário, “[…] abrindo a possibilidade de que cidadãos e empresas facilmente orientem e monitorem o processamento de suas demandas e solicitações junto à administração, através do emprego das TIC.”[37] Todavia, não se confunde com a noção de governança da internet, que compreende o conjunto de “[…] de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, bem como de programas, que devem determinar a evolução e o uso da Internet.”[38]

É a estruturação, organização e sistematização da Administração Pública, em plataformas digitais, baseada na governança digital, que ofereçe não apenas uma aproximação, mas condições reais de interação participativa com a sociedade, inclusive nas tomadas de decisões. Esse cenário é denominado por alguns como Governo Eletrônico ou E-Governmente ou ainda E-Gov.[39]

Contudo, numa perspectiva ampliada, surge, também, a expressão Governo Aberto – open government –, que “[…] se relaciona com um entendimento de que a forma como os governos disponibilizam suas informações permite que a inteligência coletiva crie melhores formas de trabalhar com elas do que os próprios governos poderiam fazer”.[40] Pode contribuir para a formulação de projetos e ações que visam à promoção da transparência, à luta contra a corrupção, ao incremento da participação social e ao desenvolvimento de novas tecnologias, de modo a tornar os governos mais abertos, efetivos e responsáveis.

O governo eletrônico, e-governo ou, simplesmente, e-gov, significa um governo conectado à internet, seja no plano da informação, prestação de contas, ou como instrumento de acesso a serviços públicos pelo cidadão, estabelecendo a interface entre a Administração Pública e o cidadão. Para Martin Ferguson esta é a “união dos cidadãos, pessoas-chave e representantes legais para participarem das comunidades, junto ao governo, por meios eletrônicos.”[41]  

Governo eletrônico – diz respeito tanto à oferta e entrega efetiva de serviços públicos através de canais diversos (portais web, e-mails, redes sociais, SMS, etc.), quanto à interação em duas vias (Estado<—–>Sociedade) habilitada por tais canais. Esta interação é o fundamento da noção contemporânea de “governo aberto”: aberto à participação e à colaboração dos cidadãos no ciclo de políticas públicas, e capaz de prestar contas de forma pública e transparente em reforço ao controle democrático dentro e fora do Estado.[42]

Contudo, a mera utilização da tecnologia não resolve os problemas de ineficiência no âmbito da Administração Pública, dado que “a implantação efetiva de um governo eletrônico implica reavaliar as velhas estruturas administrativas, procurando criar novos mecanismos que tenham como eixo central a satisfação das necessidades do cidadão.”[43] Portanto, faz-se necessária uma reestruturação da Administração Pública, baseada numa Governança integrada, voltada para à cidadania, com transparência, eficácia e eficiência.

A Governança integrada é um ambiente em que podem ser inseridas as centrais gestoras dos bancos de dados das atividades notariais e de registros públicos, executando e coordenando ações complexas, contribuindo para a transparência de dados que são de interesse público, ainda que as atividades notariais e de registros públicos não integrem a Administração direta e indireta na perspectiva formal.  

Os serviços notariais e de registros públicos como possíveis instrumentos preventivos na luta contra a corrupção.

            Os serviços notariais e de registros públicos, reconhecidos constitucionalmente como funções públicas delegadas, cuja finalidade é a gestão de interesses privados, afirmada pelo Estatuto do Notário e Registrador – Lei federal n.º 8.935/94 – em seu artigo primeiro, ao dispor: ”Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.” Nesta perspectiva pode-se afirmar que têm por finalidade viabilizar e/ou concretizar direitos fundamentais, certificando certeza e segurança jurídica em relação a atos e fatos da vida civil.

            A partir da investidura na função notarial e/ou registral, os titulares destes serviços são considerados profissionais do direito, dotados de fé pública, à quem incumbe a execução das funções de modo eficiente e adequado, em dias e horários estabelecidos pelo juízo indicado pela organização judiciária de cada estado da Federação, atendidas as peculiaridades locais, em local de fácil acesso ao público e que ofereça segurança para o arquivamento de livros e documentos. A definição de serviço adequado, de acordo com o parágrafo primeiro, do artigo sexto, da Lei federal n.º 8987/95, o qual preconiza: “Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.”

            O Supremo Tribunal Federal, em voto proferido pelo Ministro Ayres Brito, definiu que os “[…] serviços notariais e de registro são típicas atividades estatais, mas não são serviços públicos, propriamente. Inscrevem-se, isto sim, entre as atividades tidas como função pública lato sensu, a exemplo das funções de legislação, diplomacia, defesa nacional, segurança pública, trânsito, controle externo e tantos outros cometimentos que, nem por ser de exclusivo domínio estatal, passam a se confundir com serviço público.”[44]

São atividades, que “[…] em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. […] instituídas pelo poder público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas “a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos” (Lei 8.935/1994, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos.”[45]

Não se trata de atividade com vistas à concretização de comodidade material, mas “[…] atividades jurídicas que são próprias do Estado, porém exercidas por particulares mediante delegação. […] cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. […] As serventias extrajudiciais se compõem de um feixe de competências públicas, embora exercidas em regime de delegação a pessoa privada.[46]

            As competências dos serviços notariais e de registros públicos, “[…] fazem de tais serventias uma instância de formalização de atos de criação, preservação, modificação, transformação e extinção de direitos e obrigações.”[47] Por isso, estão investidas “[…] em parcela do poder estatal idônea à colocação de terceiros numa condição de servil acatamento, a modificação dessas competências estatais (criação, extinção, acumulação e desacumulação de unidades) somente é de ser realizada por meio de lei em sentido formal, segundo a regra de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”[48] 

Os serviços notariais e de registros públicos, de acordo com a Lei federal n.º 8.935/94, compreendem os tabelionatos de notas; os tabelionatos e oficios de registro de contratos marítimos; os tabelionatos de protesto de títulos; os oficios de registro de imóveis; os ofícios de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas; os ofícios de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas; e, ainda, os oficios de registro de distribuição.

Aos notários ou tabeliães de notas, compete: I – formalizar juridicamente a vontade das partes; II – intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; e, III – autenticar fatos. Além dessas, compete com exclusividade: I – lavrar escrituras e procurações, públicas; II – lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados; III – lavrar atas notariais; IV – reconhecer firmas; e, V – autenticar cópias.

Aos tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos compete: I – lavrar os atos, contratos e instrumentos relativos a transações de embarcações a que as partes devam ou queiram dar forma legal de escritura pública; II – registrar os documentos da mesma natureza; III – reconhecer firmas em documentos destinados a fins de direito marítimo; IV – expedir traslados e certidões.

 Aos tabeliães de protesto de título compete privativamente: I – protocolar de imediato os documentos de dívida, para prova do descumprimento da obrigação II – intimar os devedores dos títulos para aceitá-los, devolvê-los ou pagá-los, sob pena de protesto; III – receber o pagamento dos títulos protocolizados, dando quitação; IV – lavrar o protesto, registrando o ato em livro próprio, em microfilme ou sob outra forma de documentação; V – acatar o pedido de desistência do protesto formulado pelo apresentante; VI – averbar: a) o cancelamento do protesto; b) as alterações necessárias para atualização dos registros efetuados; e, VII – expedir certidões de atos e documentos que constem de seus registros e papéis.

            As competências dos oficiais de registro de imóveis, de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas, civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas compete a prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos registros públicos, de que são incumbidos, independentemente de prévia distribuição, mas sujeitos os oficiais de registro de imóveis e civis das pessoas naturais às normas que definirem as circunscrições geográficas.

            As atividades são executadas com fundamento em prerrogativas públicas de certificação com foco na certeza e na segurança jurídica, de atos e fatos relacionados com a vida civil, razão pela qual, as funções notariais e de registros públicos estão inseridas no contexto da transparência, eficácia e eficiência, o que justifica o acesso dos poderes públicos às informações que estão nos repositórios sob responsabilidade de notários e registrados públicos. Isto justifica a integração de notários e registradores no contexto da governança pública com vistas ao enfrentamento da corrupção.

            Embora a prestação dos serviços seja desconcentrada em todo o território nacional, as inovações tecnológicas, antes referenciadas, podem contribuir para a eficiência e eficácia de uma governança pública, ágil e eficiente, na luta contra a corrupção. Na última década, os serviços notariais e de registros públicos vêm adotando a informatização em ritmo acelerado, o que proporciona agilidade na execução do serviço, aumenta a segurança e contribui para a disponibilização de informações aos Poderes Públicos, sempre que for de interesse público.

            Novos instrumentos digitais que permitem uma governança pública mais eficiente, com a integração dos serviços notariais e de registros públicos, foram implementados ou estão em fase de implementação. O Governo Federal, o Conselho Nacional de Justiça-CNJ, as Corregedorias-Gerais de Justiça dos Estados, as entidades representativas dos titulares dos serviços notariais e de registros desenvolveram esforços para a instituição de portais eletrônicos com vistas à centralização de informações, facilitação do acesso e o incremento do fluxo das informações.

A título de exemplo, foi instituído, por meio do Decreto n.º 8.764/2016, o Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais – Sinter, instrumento de gestão pública que integrará, em um banco de dados espaciais, o fluxo dinâmico de dados jurídicos produzidos pelos serviços de registros públicos ao fluxo de dados fiscais, cadastrais e geoespaciais de imóveis urbanos e rurais produzidos pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, com o propósito de construir uma governança fundiária, no qual o Registro de Imóveis é um dos atores.

A Corregedoria Nacional de Justiça, através do Provimento 47/2015, instituiu o Sistema de Registro Eletrônico-SER, que oferece diversos serviços on-line como pedido de certidões, visualização eletrônica da matrícula do imóvel, pesquisa de bens que permite a busca por CPF ou CNPJ para detectar bens imóveis registrados, entre outros. O Sistema deve ser implantado e integrado por todos os oficiais de registro de imóveis de cada estado e do Distrito Federal. O intercâmbio de documentos e informações está a cargo de centrais de serviços eletrônicos compartilhados em cada uma das unidades da federação.

Os principais benefícios que a instituição de um Sistema de Registro Eletrônico integrado a um Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais, é a viabilização de uma gestão pública mais eficiente, a redução de custos de redundância para todos os atores envolvidos, combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, garantia do crédito tributário e redução da evasão fiscal, regularização fundiária, maior segurança jurídica da propriedade, seja ela privada ou pública, maior estabilidade e proteção do mercado imobiliário e dos investimentos, maior agilidade nas operações de financiamento bancário, eliminação de papel, elevação da garantia jurídica para o cidadão-comprador e constituição do Índice de Preços de Imóveis no Brasil.

Outra ferramenta importante para a Governança fundiária, com a participação do Registro de Imóveis, instituída pelo Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), cuja finalidade é subsidiar a governança fundiária do território nacional, por meio do qual são efetuadas a recepção, validação, organização, regularização e disponibilização das informações georreferenciadas de limites de imóveis rurais, públicos e privados.

Por força do Provimento n.º 18, de 28 de agosto de 2012, editado pela Corregedoria Nacional de Justiça, foi instituída a Central de Serviços Eletrônicos Compartilhados – CENSEC – um sistema administrado pelo Colégio Notarial do Brasil e Conselho Federal – CNB-CF – com a finalidade de gerenciar banco de dados com informações sobre a existência de testamentos, procurações e escrituras públicas de qualquer natureza, inclusive separações, divórcios e inventários lavrados em todos os cartórios do Brasil.

O Provimento n.º 38, de 25 de julho de 2014 do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, instituiu a Central de Informações do Registro Civil CRC Nacional é o Portal Nacional dos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais – que congrega toda a base de dados de nascimentos, casamentos, óbitos, emancipações, ausências e interdições lavradas em todo o território nacional, permitindo a localização de assentos em tempo real e a solicitação de certidões eletrônicas e digitais entre cartórios e entre cartórios e Poder Judiciário, além de uma série de outras funcionalidades listadas abaixo.

O Conselho Nacional de Justiça-CNJ, editou o Provimento de n.º 48, de 16 de março de 1916, para instituir as diretrizes gerais para o sistema de registro eletrônico de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas, cujo sistema é e integrado por todos os oficiais de registro de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas de cada Estado e do Distrito Federal e dos Territórios, e compreende o intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre os ofícios de registro de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas, o Poder Judiciário, a Administração Pública e o público em geral; a recepção e o envio de títulos em formato eletrônico; a expedição de certidões e a prestação de informações em formato eletrônico; e a formação, nos cartórios competentes, de repositórios registrais eletrônicos para o acolhimento de dados e o armazenamento de documentos eletrônicos.

            Estes são alguns exemplos de ferramentas que surgiram em face das novas tecnologias, que viabilizam uma integração entre diversos atores, públicos e privados, com capacidade para exercer o controle sobre atos, fatos e negócios jurídicos, ampliando a transparência e o fluxo de informações, com a inserção das atividades notariais e de registros públicos.

Conclusões

            A corrupção se transformou numa patologia, permeando maleficamente relações no âmbito do mercado, sociedade civil e a Administração Pública, cujo grau de complexidade aparentemente vem aumentado, o que exige, como contrapartida, a criação de instrumentos capazes de deter, corrigir e punir os seus atores. Nessa perspectiva, além do instrumental jurídico civil, administrativo e penal disponíveis para efeitos de processamento e julgamento dos autores, outros mecanismos “acessórios” vêm sendo desenvolvidos com a finalidade de contribuir nas investigações, na apuração e manipulação de informações, que são as novas tecnologias.

            As novas tecnologias, marcadamente as de natureza eletrônica, próprios da Era Digital, por meio de suas plataformas digitais vêm contribuindo para o estabelecimento de novos sistemas de funcionamento da administração pública, substituindo a lógica analógica pela digital, com base numa racionalidade binária. A capacidade instrumental que elas oferecem são importantes para a transparência, eficácia e eficiência na gestão pública.

            A noção de governança digital contribuiu para uma nova modelagem da Administração Pública, ampliando a participação popular e viabilizando maior transparência e eficácia da gestão pública. O envolvimento dos serviços notariais e de registros públicos, via política de integração através das novas Tecnologias de Informação e Comunicação, permite afirmar que podem construir na luta contra a corrupção de forma responsiva, através de fluxos informacionais céleres e eficientes, além de contribuir para assegurar maior efetividade nos processos administrativos e jurisdicionais.

Dessa forma, a resposta ao problema lançado, que indagava acerca da existência de alguma governança envolvendo as novas tecnologias e os serviços notariais e de registros públicos voltada à luta contra a corrupção, é afirmativa, porque existem governanças digitais, envolvendo os serviços notariais e de registros públicos e podem ser eficientes na luta contra a corrupção.

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[2] LEAL, Rogério Gesta. Patologias corruptivas nas relações entre Estado, Administração Pública e Sociedade: causas, consequências e tratamentos, Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2013

[3] LEAL, Rogério Gesta. Patologias corruptivas nas relações entre Estado, Administração Pública e Sociedade: causas, consequências e tratamentos, Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2013, p. 14.

[4] ANDRIOLI, Antônio Inácio. Causas estruturais da corrupção no Brasil, in: revista Espaço Acadêmico n.º 64 – setembro de 2006. Disponível em:  http://www.espacoacademico.com.br/064/64andrioli.htm >. Acesso em: 10 de dezembro de 2015

[5] GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa, 4.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 7.

[6] RIBEIRO, Renato Janine. A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 167.

[7] GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa, 4.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 8-9.

[8] SANTOS, José Manuel. Introdução à ética. Lisboa: Sistema Solar, CRL (Documenta), 2012, p. 31.

[9] SANTOS, José Manuel. Introdução à ética. Lisboa: Sistema Solar, CRL (Documenta), 2012, p. 34.

[10] SANTOS, José Manuel. Introdução à ética. Lisboa: Sistema Solar, CRL (Documenta), 2012, p. 34.

[11] SANTOS, José Manuel. Introdução à ética. Lisboa: Sistema Solar, CRL (Documenta), 2012, p. 35-36.

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[15] LEAL, Rogério Gesta. Patologias corruptivas nas relações entre Estado, Administração Pública e Sociedade: causas, consequências e tratamentos, Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2013, p. 22.

[16] RODRÍGUEZ-ARANA. Jaime. La Dimensión Ética. Madrid: Dykinson, 2001, p. 30.

[17] BAUDISTA, Oscar Diego. Ética pública y buen gobierno. Fundamentos, estado de la cuestión y valores para el servicio público. México: Instituto de Administración Pública del Estado de México (IAPEM), 2009, p. 32

[18] Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico – OCDE. La Ética en el servicio público – cuestiones y prácticas actuales. Madrid: Ministerio de Administraciones Públicas/Instituto Nacional de Administración Pública – INAP. http:// www.inap.org.mx/portal/images/RAP/la%20etica%20en%20el%20servicio%20 publico.pdf, acesso em 12/12/2015.

[19] GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa, 4.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 11.

[20] LEAL, Rogério Gesta. Patologias corruptivas nas relações entre Estado, Administração Pública e Sociedade: causas, consequências e tratamentos, Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2013, p. 33

[21] CEPIK, Marco; CANABARRO, Diego e POSSAMAI, Ana Júlia. Do novo gerencialismo público à era da governança digital. Disponível em: http://professor.ufrgs.br/marcocepik/files/cepik_-_2014_ _novo_gerencialismo_governanca_digital.pdf >. Acesso em: 17 de dezembro de 2015, p. 11.

[22] TELLO, Diana Carolina Valencia e LIMA, Edilson Vitorelle Diniz. A administração pública nas sociedades da informação e do conhecimento. In: Revista de Direito Administrativo, Volume 262, janeiro/abril 2013. Rio de Janeiro: Editora, FGV, p. 149.

[23] CEPIK, Marco; CANABARRO, Diego e POSSAMAI, Ana Júlia. Do novo gerencialismo público à era da governança digital. Disponível em: http://professor.ufrgs.br/marcocepik/files/cepik_-_2014_ _novo_gerencialismo_governanca_digital.pdf >. Acesso em: 17 de dezembro de 2015.

[24] CEPIK, Marco; CANABARRO, Diego e POSSAMAI, Ana Júlia.  Do novo gerencialismo público à era da governança digital. Disponível em: http://professor.ufrgs.br/marcocepik/files/cepik_-_2014_ _novo_gerencialismo_governanca_digital.pdf >. Acesso em: 17 de dezembro de 2015..

[25] PAULA, Ana Paula Paes de. Por uma nova gestão pública: limites e potencialidades da experiência contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 39

[26] PAULA, Ana Paula Paes de. Por uma nova gestão pública: limites e potencialidades da experiência contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 39

[27] BRAGA, Lamartine Vieira; ALVES, Welington Souza; FIGUEIREDO, Rejane Maria da Costa; SANTOS, Rildo Ribeiro dos. O papel do Governo Eletrônico no fortalecimento da governança do setor público. Revista do Serviço Público, v. 59, n. 1, p. 5-21, Janeiro-Março, 11 2008. Disponível em: https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/viewFile/137/142. Acesso em: 19 de março de 2019, p. 8.

[28] BRAGA, Lamartine Vieira; ALVES, Welington Souza; FIGUEIREDO, Rejane Maria da Costa; SANTOS, Rildo Ribeiro dos. O papel do Governo Eletrônico no fortalecimento da governança do setor público. Revista do Serviço Público, v. 59, n. 1, p. 5-21, Janeiro-Março, 11 2008. Disponível em: https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/viewFile/137/142. Acesso em: 19 de março de 2019, p. 8.

[29] CEPIK, Marco; CANABARRO, Diego e POSSAMAI, Ana Júlia. Do novo gerencialismo público à era da governança digital. Disponível em: http://professor.ufrgs.br/marcocepik/files/cepik_-_2014_ _novo_gerencialismo_governanca_digital.pdf >. Acesso em: 17 de dezembro de 2015, p. 22.

[30] CEPIK, Marco; CANABARRO, Diego e POSSAMAI, Ana Júlia. Do novo gerencialismo público à era da governança digital. Disponível em: http://professor.ufrgs.br/marcocepik/files/cepik_-_2014_ _novo_gerencialismo_governanca_digital.pdf >. Acesso em: 17 de dezembro de 2015, p. 23.

[31] DINIZ, Eli. Governabilidade, Democracia e Reforma do Estado: Os Desafios da Construção de uma Nova Ordem no Brasil dos Anos 90. In: DADOS – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, volume 38, nº 3, 1995, p.400

[32] DINIZ, Eli. Governabilidade, Democracia e Reforma do Estado: Os Desafios da Construção de uma Nova Ordem no Brasil dos Anos 90. In: DADOS – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, volume 38, nº 3, 1995, p.400

[33] DINIZ, Eli. Governabilidade, governance e Reforma do Estado: considerações sobre o novo paradigma. In: DADOS – Revista do Serviço Público, ano 47, v. 120, mai/ago. de 1996, p.5-22.

[34] CHUL HAN, Byung. La sociedad de la transparencia. Traducción de Raúl Gabás. Barcelona: Herder Editorial, S.L. 2013.

[35] FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos: e os princípios fundamentais, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 58

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[37] CEPIK, Marco; CANABARRO, Diego e POSSAMAI, Ana Júlia. Do novo gerencialismo público à era da governança digital. Disponível em: http://professor.ufrgs.br/marcocepik/files/cepik_-_2014_ _novo_gerencialismo_governanca_digital.pdf >. Acesso em: 17 de dezembro de 2015, p. 23.

[38] WAGNER, Flávio Rech e CANABARRO, Diego Rafael. A governança na internet: definição, desafios e perspectivas. In:  Governança Digital / Marcelo Soares Pimenta, Diego Rafael Canabarro, organizadores – Porto Alegre: UFRGS/CEGOV, 2014, p. 193.

[39] PIMENTA, Marcelo Soares e CANABARRO, Diego Rafael. Democracia e capacidade na era digital. In: Governança Digital / Marcelo Soares Pimenta, Diego Rafael Canabarro, organizadores – Porto Alegre: UFRGS/CEGOV, 2014. Disponível em: < https://www.ufrgs.br/cegov/files/livros/gtdigital.pdf> Acesso em: 20 de março de 2019, p.10.

[40] SILVA, D. B. Transparência na esfera pública interconectada. 2010. (Dissertação de Mestrado), Faculdade Cásper Líbero, São Paulo.

[41] FERGUSON, Martin. Estratégias de governo eletrônico: o cenário internacional em desenvolvimento. In: EISENBERG, J.; CEPIK, M. (Org.). Internet e política: teoria e prática da democracia eletrônica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p. 104.

[42] CEPIK, Marco; CANABARRO, Diego e POSSAMAI, Ana Júlia. Do novo gerencialismo público à era da governança digital. Disponível em: http://professor.ufrgs.br/marcocepik/files/cepik_-_2014_ _novo_gerencialismo_governanca_digital.pdf >. Acesso em: 17 de dezembro de 2015, p. 22.

[43] TELLO, Diana Carolina Valencia e LIMA, Edilson Vitorelle Diniz. A administração pública nas sociedades da informação e do conhecimento. In: Revista de Direito Administrativo, Volume 262, janeiro/abril 2013. Rio de Janeiro: Editora, FGV, p. 153

[44] [ADI 3.643, voto do rel. min. Ayres Britto, j. 8-11-2006, P, DJ de 16-2-2007.] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=2079> Acesso em: 20 de março de 2019.

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[47]  [ADI 2.415, rel. min. Ayres Britto, j. 10-11-2011, P, DJE de 9-2-2012.] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=2079> Acesso em: 20 de março de 2019.

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Registro de Imóveis: uma instituição protetiva de direitos https://richterlazzeron.adv.br/registro-de-imoveis-uma-instituicao-protetiva-de-direitos/ https://richterlazzeron.adv.br/registro-de-imoveis-uma-instituicao-protetiva-de-direitos/#respond Wed, 08 Feb 2023 18:28:24 +0000 https://richterlazzeron.adv.br/?p=575 A segurança jurídica é um tema importante, que permeia, de certa forma, todas as relações jurídicas, assim como as relações entre sujeitos e bens. Embora não se apresenta de forma expressa no texto constitucional, parece certo e aceitável, a possibilidade de extração implícita do princípio da segurança jurídica. Não é um metaprincípio ou um princípio moral, mas um princípio jurídico que irradia seus efeitos para toda a seara jurídica, por ser inerente ao Direito.

Assim como a justiça, também a segurança jurídica é uma exigência da sociedade, por isso cabe ao Direito, por meio de instrumentos e mecanismos jurídicos, orientados por uma racionalidade jurídica estabelecer uma previsibilidade dos efeitos decorrentes da atuação estatal em benefício da proteção dos direitos.

É neste contexto que se insere o Registro de Imóveis no Brasil, como um instrumento, um meio, um método de intervenção assecuratória do Estado da propriedade imobiliária e dos demais direitos, que por força da Lei e do Direito são cometidos a esta organização técnica e administrativa destinada a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Contudo, esclarece-se que a segurança, muito antes de ser jurídica e que surgiu com o Estado de Direito, já era uma preocupação do indivíduo. É a própria autopreservação o principal pressuposto da segurança visada pelo homem. Na pré-história, que data de 500.000 a 4.000 a.C., anterior à escrita, período que pode ser dividido em três fases: Paleolítico, Mesolítico e Neolítico, o homem satisfazia suas necessidades básicas junto à natureza.

Ao que tudo indica o homem Paleolítico ou da pedra lascada preocupava-se, basicamente, com as demandas de sobrevivência, notadamente alimentação e proteção do corpo, por isso habitava cavernas compartilhadas com animais selvagens. Tinha uma vida nômade, portanto, sem habitação fixa e alimentava-se da caça de animais de pequeno, médio e grande porte, da pesca e da coleta de frutos e raízes. A própria linguagem era pouco desenvolvida, baseada em pouca quantidade de sons, sem a elaboração de palavras. Uma das formas de comunicação eram as pinturas rupestres. Através deste tipo de arte, o homem trocava ideias e demonstrava sentimentos e preocupações cotidianas.  

      Já o homem Mesolítico – período entre o Paleolítico e o Neolítico – apresentou importante evolução em comparação com o homem paleolítico, porque desenvolveu meios de sobrevivência mais segura. Dominou o fogo, desenvolveu a agricultura e a domesticação dos animais. Isso fez com que o homem diminuísse sua dependência em relação à natureza, o que permitiu a fixação de residência, a divisão do trabalho por sexo.

O homem pré-histórico, Neolítico ou da idade da pedra polida, atingiu um grau importante de desenvolvimento e estabilidade, porque fixou residência, criou animais, cultivou a agricultura e desenvolveu a metalurgia. Tudo isso potencializou as atividades desenvolvidas até então e, sobretudo, permitiu a produção de excedentes agrícolas e sua armazenagem, garantindo o alimento necessário para os momentos de seca ou inundações. Neste contexto as comunidades foram crescendo e logo surgiu a necessidade de trocas com outras comunidades, ocorrendo um intenso intercâmbio entre vilas e pequenas cidades. Além disso, foi também nesta época que surgiu “O movimento de apropriação fundiária (…), com a construção das primeiras moradias permanentes e com o cercamento das primeiras hortas e quintais privados. ” (MAZOYER,2010, P.376)

À medida que o homem abandona os primeiros estágios da pré-história, certamente a preocupação da segurança aumenta. Se durante o período Paleolítico a preocupação era com a segurança do próprio corpo, no sentido de mantê-lo vivo, por meio da alimentação extraída da natureza e o abrigo em cavernas; no período Neolítico, especialmente a produção do excedente e a apropriação da terra fez nascer novas preocupações em termos de segurança. Em razão disso, começa a desenvolver mecanismos de proteção.

No final da era neolítica, ou seja, da pré-história para a Antiguidade, surge a escrita, ou ao menos os historiadores aceitam como certo o aparecimento da escrita na Mesopotâmia e no Egito. A partir desse momento o homem passa a dispor de um meio muito mais eficaz do que a comunicação verbal, porque a informação não se perde facilmente como ocorre com a fala, além de poder perpetuá-la no tempo e com isso, alcançar um número maior de pessoas.

A escrita não deixa de ser uma forma de segurança, embora não necessariamente jurídica, a despeito de a origem do direito situar-se na formação das sociedades e isto remonta a épocas muito anteriores à própria escrita. O direito surge com a finalidade de regular as relações humanas, visando à paz e a prosperidade social, com o objetivo de alcançar o bem comum e obter a justiça. É a partir do direito que surge a noção de segurança jurídica, ou seja, a segurança por meio do Direito. Esclarece-se que a segurança jurídica como a conhecemos hoje foi uma construção histórica que passou por diversos estágios.

Na Idade Média, que abrange o período que vai do século V da era cristã até a queda de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, em 1453, apresenta como principais marcos, a expansão dos reinos bárbaros na Europa, a transformação do escravismo em feudalismo, o surgimento dos impérios feudais, a expansão do cristianismo e do islamismo, o renascimento do comércio e das cidades medievais e o apogeu da civilização maia, na América. Neste período haviam várias ordens jurídicas, muitas vezes se sobrepondo umas às outras.

De acordo com (Grossi, 1996, p. 52), “He aqui como debemos aproximarnos al Derecho medieval: como a una gran experiência jurídica que alimenta en su seno una infinidad de ordenamientos, donde el Derecho – antes de ser norma y mandato – es orden, orden de lo social, motor espontâneo, lo que nace de abajo, de una sociedad que se autotutela ante la litigiosidad de la incandescência cotidiana construyéndose esta autonomia, hornacina propia y auténtica protectora del individuo y de los grupos. La sociedad se impregna de Derecho y sobrevive porque ella misma es, antes que nada, Derecho debido a su articulación en ordenamientos jurídicos”

            Esta infinidade de ordenamentos jurídicos existentes na Idade Média, acabou por estabelecer os fundamentos dos ordenamentos jurídicos europeus, notadamente sobre as bases das sociedades romano-germânicas da alta Idade Média. Neste sentido, (Wieacker, 1967, p. 15). “Os primórdios dos ordenamentos jurídicos europeus encontram-se nas formas básicas de vida das sociedades romano-germânicas da alta Idade Média e nos três grandes poderes ordenadores que a antiguidade tardia tinha deixado: os restos da organização do império romano do ocidente, a igreja romana e a tradição escolar da antiguidade tardia, restos que os novos povos e tribus assentes no antigo corpo do império e no centro da Europa receberam e de que se acabaram por apropriar”

            A pluralidade de ordenamentos jurídicos e a policentria do poder política não contribuíram para a instituição de um sistema de segurança jurídica eficaz, justamente em razão da fragmentação e pluralidade de sistemas jurídicos. A segurança jurídica tem como um de seus pressupostos a unicidade do direito, o que só começou a ser construído a partir da Idade Moderna – Período entre a queda do Império Romano do Oriente e a Revolução Francesa, em 1789, que tem como principais marcos, o fortalecimento dos Estados nacionais monárquicos, a expansão marítima e colonial, o fortalecimento e expansão do capitalismo – que se torna a forma de produção predominante –, o renascimento cultural e científico, a fermentação revolucionária do iluminismo e a independência norte-americana.

A segurança jurídica começa a ser moldada com a chegada do iluminismo e a Revolução Francesa, quando se buscou a segurança jurídica para defender os direitos fundamentais, notadamente o direito de propriedade. Portanto, é a partir da unicidade do direito – e sua codificação – que se buscou a segurança jurídica. Esse processo condicionou a sociedade e o mundo jurídico, no sentido de que só o direito pode assegurar a ordem e a segurança necessárias ao progresso. “O resultado dessa nova percepção é o abandono tanto da descentralização do poder como do pluralismo de ordenamentos jurídicos, em busca de unificação dos territórios, a fim de permitir a formação de um Estado Nacional soberano e detentor do monopólio de produção das normas jurídicas” (MACIEL, 2008)

Hoje vivemos no contexto da Idade Contemporânea – que cobre o período do final do século XVIII, a partir da Revolução Francesa, até a atualidade. Os principais marcos, são o período napoleônico (1799 a 1815), a restauração monárquica e as revoluções liberais (1800 a 1848), a revolução industrial e expansão do capitalismo (de 1790 em diante), a disseminação das nacionalidades e das doutrinas sociais (a partir de 1789), o surgimento do imperialismo, a 1a Guerra Mundial (1914-1918), as revoluções socialistas, a expansão da democracia, o surgimento do fascismo e do nazismo (1917-1938), a 2a Guerra Mundial (1939-1945), a Guerra Fria (1948-1990) e a desagregação da União Soviética (1991), no qual reaparece o pluralismo jurídico, desafiando novamente a segurança jurídica como um dos fins do Direito.

Em linhas gerais, o medo da morte fez com que o indivíduo procurasse segurança para proteger a vida; o medo da destruição das coisas fez com que o indivíduo procurasse segurança para os seus bens; o medo das forças da natureza e do desconhecido fez com que o homem buscasse segurança na religião; o conceito de segurança foi o pai da Arte, da Arquitetura, da Medicina, da Astronomia, da Matemática, da Física, do Direito e de todas as áreas do conhecimento; contudo, a ideia de segurança está no Estado, com fundamento numa ordem jurídica, por isso Direito é, por excelência, o instrumento de segurança.(ÁVILA, 2011)

De acordo com (PEREZ LUÑO, 2000) “La formación conceptual de la seguridad jurídica, como la de otras importantes categorías de la Filosofía y la Teoría del Derecho, no ha sido la consecuencia de una elaboración lógica sino el resultado de la conquistas políticas de la sociedad. La seguridad constituye un deseo arraigado en la vida anímica de hombre, que siente terror ante la inseguridad de su existencia, ante la imprevisibilidad y la incertidumbre a que está sometido la exigencia de seguridad de orientación es, por eso, una de las necesidades humanas básicas que el Derecho trata de satisfacer a través de la dimensión jurídica de la seguridad”.

A incerteza acompanha o homem e, por mais paradoxal que possa parecer, ao mesmo tempo que o homem busca a segurança para resolver alguma segurança, outras inseguranças vão surgindo, o que faz com buscamos mais segurança. Isso, de certa forma revela, que a segurança jurídica apresenta um grau de limitação. Contudo, a despeito desse cenário, é no Estado de Direito e o seu sistema de segurança jurídica que buscamos nos assegurar.

Cabe ao Estado de Direito assegurar os direitos, notadamente os direitos fundamentais, assim como os sociais fundamentais, que em face de sua dimensão objetiva acabam por se irradiar à toda ordem jurídica. Sem essa dinâmica, haverá desproteção aos referidos direitos e não haverá imunização às ameaças e os riscos. Por isso, a segurança jurídica converte-se em valor jurídico para a concretização de todos os valores constitucionais. Nesse sentido a segurança jurídica pode ser considerada como um instrumento assecuratório dos direitos que envolvem autonomia privada, notadamente, liberdade e propriedade.

Ao prever um direito, o ordenamento jurídico tem que instrumentalizar a ordem jurídica visando a proteção e a eficácia desse direito. Quanto ao direito de propriedade a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo 17, prevê que “todo indivíduo tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros e que ninguém será arbitrariamente privado da sua propriedade”. O direito de propriedade, assim como os demais direitos, requer instrumentos protetivos, que podem variar de país para país. O Direito de propriedade, como direito fundamental, na sua acepção objetiva requer a instrumentalização protetiva, que se dá no plano organizacional e normativo.

No cenário brasileiro o Registro de Imóveis, instituição jurídico-formal, é que tem por finalidade dar segurança jurídica aos direitos e aos fatos inscritos. No plano organizacional – o Registro de Imóveis no Brasil de organização técnica e administrativa destinado a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos que lhe competem, enquanto que no plano normativo – a função registral imobiliária é tipicamente estatal, portanto, jurídica.

A origem dos serviços de registros imobiliários, contudo, é anterior ao próprio Estado, razão pela qual podem ser considerados como pré-jurídicos e, por isto, pré-estatais. É com a instauração do Estado de Direito, que aos poucos estas atividades vão sendo assumidas pelo Estado, como guardião da segurança jurídica.

Registra-se que foi a partir da vigência da Lei Imperial de n.° 601/1850, que a publicidade da legitimação de posse dos imóveis passou a ser feita em livro da Paróquia Católica, o chamado registro do vigário, portanto, não era o Estado que assegurava a legitimidade da posse, mas a Igreja. O Estado por meio da Lei Orçamentária de n.° 317/1843, regulamentada pelo Decreto n.° 482/1846, criou o registro de hipotecas, como instrumento de segurança jurídica para o crédito. (CARVALHO, 1997, p.2-3)

O Estado brasileiro ao assumir as atividades repassou a execução delas em favor de pessoas naturais, que embora atrelados ao Poder Judiciário, não faziam parte do quadro de servidores titulares de cargos do Judiciário. No Estado do Rio Grande do Sul foram denominados de serventuários do Foro Extrajudicial, titulares de cargos isolados, de acordo com o Código de Organização Judiciária. 

Esse Código em seu artigo 125 previa que “as serventias do Foro Extrajudicial são oficializadas, excetuados os Tabelionatos e os Ofícios Distritais e de Sede Municipal, e os respectivos cargos isolados, de provimento efetivo, serão providos mediante concurso público, obedecidos os critérios e exigências da lei. Além disso, as taxas e custas previstas em lei serão recolhidas aos cofres do Estado, salvante as custas devidas aos Tabeliães e aos Oficiais Distritais e de Sede Municipal. Esclarece-se que a redação do artigo 125 e seu parágrafo único tem a redação dada pela Lei Estadual de n.° 8.131/86, anterior à Constituição Federal de 1988 e permanece inalterada.

            A partir da vigência da Constituição de 1988, instaurou-se uma nova ordem nesta matéria, em face de disposição expressa de que estes serviços são executados por delegados. O artigo 236 da Constituição federal foi regulamentado pela Lei federal n.º 8.935, de 18 de novembro de 1994, que dispõe sobre o estatuto do notário e do registrador público das pessoas naturais, das pessoas jurídicas, de títulos e documentos e de registro de imóveis.

Esta lei, contudo, não define de forma clara a natureza jurídica do vínculo de delegação e, além disso, se o serviço é federal ou estadual. Na perspectiva de Estado Democrático de Direito, o Estado executa inúmeras funções públicas, com o fito de atender as demandas públicas. Para tanto utiliza o instrumental que a ordem jurídica disponibiliza e executa atividades tipicamente estatais e outras atípicas, mas de sua responsabilidade por imposição constitucional.

            Atividades típicas de Estado são aquelas com expressão jurídica, ou seja, contribuem para a segurança jurídica do cidadão e da sociedade como um todo, que de acordo com os ensinamentos de (TÁCITO, 1975, p.198-199), “atende-se à preservação do direito objetivo, à ordem pública, à paz e à segurança coletivas”. Uma das características que diferenciam as atividades típicas ou jurídicas do Estado das atividades atípicas ou sociais, é a fruição indivisível pela sociedade, em benefício de seus interesses primários, em oposição à fruição divisível que caracteriza os serviços atípicos, em benefício de seus interesses secundários (MOREIRA NETO, 2006, p. 425).

            A rigor, as atividades jurídicas são consideradas como indelegáveis, pois de acordo com (MOREIRA NETO, 2006, p. 112) são “impostas como próprias do Estado, e necessária condição de sua existência.” Estas atividades, a rigor, são executadas pelo próprio Estado ou de forma descentralizada por meio de entidades autárquicas. Neste caso o Estado ao criar a autarquia já lhe transfere por força de lei a titularidade do serviço e a conseqüente execução.

            Estas atividades não são consideradas serviço público em sentido técnico, porque não contemplam ações de natureza prestacional, capaz de ser fruída individualmente. Ao contrário, as atividades jurídicas visam imediatamente ao Estado ou à sociedade indistintamente considerada, assim como a atividade de polícia administrativa (ARAGÃO,2007, p. 167)

Efetivamente as atividades jurídicas executadas pelo Estado têm finalidade distinta das atividades sociais ou materiais. A primeira é indelegável, porque é condição de manutenção da ordem jurídica e social, enquanto que a segunda visa atender as demandas públicas capazes de serem fruídas individualmente, a despeito de entendimentos diversos na doutrina estrangeira. 

No direito italiano, por exemplo, forjou-se a separação entre função pública e serviço público. De acordo com (JUSTEN, 2003, p. 86-87) “Essa divisão parece ter sido uma necessidade para a qualificação técnico-jurídica das atividades da Administração Pública.” Na sequência a autora explica de modo genérico esta distinção, conforme a seguir transcrito: “De modo genérico, difundiu-se que “a função pública” compreenderia todo tipo de atividade jurídica autoritativa, inerente à soberania do Estado, tais como a polícia e a diplomacia, destinada a satisfazer os interesses da coletividade no seu conjunto. A função pública seria a expressão do poder administrativo. Por serviço público, entendeu-se uma atividade social, imputável, direta ou indiretamente, ao Estado ou a um ente público, caracterizada pela prestação técnica ou material em favor dos cidadãos (segundo alguns, singularmente considerados). O serviço público, como atividade administrativa, não estaria revestido de autoridade. “

A instituição registro de imóveis tem por finalidade prevenir conflitos e dar segurança jurídica em face dos atos e fatos da vida civil. Ela compreende serviços voltados diretamente ao cidadão, por meio de instituições (CUNHA e DIP, 2001, p. 261) denominadas de instituições da comunidade (ERPEN, 199, p.103-104), que podem ser consideradas como parcelas do Estado.

No plano doutrinário, as atividades registrais imobiliárias, assim como as notariais e dos demais registros públicos ainda são carecedoras de estudos acadêmicos que têm por objeto enfrentar questões como conceitualização, classificação, natureza jurídica, delegação entre outros pontos, o que gera controvérsias. Este fato é corroborado por (SILVA, 2005, p.873), ao asseverar, que: “É antiga a controvérsia sobre a natureza jurídica desses serviços. Não raro são chamadas serventias de justiça, de acordo com a concepção de que seriam auxiliares da justiça. Mas essa caracterização só tem sentido real em relação à escrivães e secretários do juízo. O mesmo, porém, não se dá em relação aos notários e registradores, visto como são profissionais autônomos pelos atos de seu ofício, “gozam de independência no exercício de suas atribuições” – bem o diz o art. 28 da Lei 8935/1994. De fato, a doutrina contemporânea excluiu do quadro dos auxiliares da Justiça todos aqueles que exerçam atividades que não sejam inerentes às que se realizam no processo, como são as serventias do foro extrajudicial”.

São atividades que contribuem para viabilizar a concretização dos direitos fundamentais do cidadão, razão pela qual, a natureza pública é inafastável. Contudo, não possuem natureza prestacional, como as atividades materiais que o Estado executa ou coloca à disposição da sociedade para maior comodidade ou utilidade pública. No plano conceitual (MELLO, 1979, p.17) afirma: “que a atividade notarial e de registro, embora não considerada um serviço público de ordem material (atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestada pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de direito público), o é de ordem puramente jurídica”

A Constituição Federal – artigo n.º 236 – qualifica as atividades notariais e de registros públicos como serviços e estabelece que são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público. Se a execução destes serviços por particulares pressupõe prévia delegação, induvidosamente, são considerados serviços públicos. Na sequência, o parágrafo primeiro do artigo 236, dispõe que a lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. Ou seja, a execução desses serviços está orientada e condicionada pelo Direito, o que afirma sua natureza jurídica e ao controle do Poder Judiciário. Ademais, os notários e os registradores públicos estão sujeitos a um estatuto jurídico (Lei Federal 8.935/94) de direito público, que estabelece os direitos, obrigações, responsabilidades e impedimentos do vínculo de delegação.

A cobrança de emolumentos, que são considerados taxas tanto pela doutrina e também pelo Supremo Tribunal Federal-STF, não é de livre estipulação pelos notários e registradores. Lei federal 10.169/2000 dispõe a respeito das regras gerais e os Estados da Federação, por meio de leis estaduais disciplinam a cobrança dispondo sobre os fatos geradores, bases de cálculo, alíquota e isenções.

Os serviços notariais e de registros públicos são considerados como atividades jurídicas específicas, prestadas ou colocadas à disposição dos interessados, de forma divisível, logo, os emolumentos cobrados pela sua prestação, são taxas. Neste sentido, averba-se o entendimento de (SACHA, 1999, p. 424-425). “Aceite-se que as custas e os emolumentos são taxas pela prestação dos serviços públicos ora ligados à certificação dos atos e negócios, ora conectados ao aparato administrativo e cartorial que serve de suporte à prestação jurisdicional. Nada impede que o legislador cobre taxas pela prestação dos serviços públicos, específicos e divisíveis, ligados à certificação de atos e negócios ou ligados à prestação jurisdicional. Nada o impede de destinar a outros fins o produto arrecadado. O Estado não está obrigado a aplicar apenas no setor público que a gerou o produto da arrecadação da taxa e, desde que a lei permita, poderá direcioná-lo até mesmo para pessoas (tabeliães) ou instituições, com o fito de cooperar em fins assistenciais e previdenciários (fins públicos). É que para a caracterização jurídica da taxa é irrelevante o destino de sua arrecadação”.

            O Supremo Tribunal Federal (STF – ADIN 1.378-5), em face do regime jurídico dos serviços notariais e de registros públicos, e da conseqüente natureza jurídica, função revestida de estatalidade, sujeita a um regime jurídico de direito público, firmou entendimento no sentido de que emolumentos possuem natureza de taxa. A jurisprudência do Supremo tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se (…) ao regime jurídico constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais da reserva de competência impositiva, da legalidade, da isonomia e da anterioridade. A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. 

O Supremo Tribunal Federal (STF – ADIN 1.378-5) também já concluiu que os notários e os registradores públicos são órgãos da fé pública instituídos pelo Estado e executam, nesse contexto, atividade eminentemente pública, carregada de estatalidade, qualificando-os como agentes públicos.

A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada “em caráter privado”, por delegação do poder público” (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa. As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas “a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos” (Lei n.º 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos

As atividades, por serem eminentemente públicas, são executadas por agentes públicos, pessoas naturais que executam funções regidas predominantemente por um regime de direito público. “A função é o círculo de assuntos do Estado que uma pessoa, ligada pela obrigação do direito público de servir ao Estado, deve gerir. (CRETELLA JÚNIOR, apud Mayer, 1999, p. 2157)

A ideia de função está intimamente ligada à noção de atividade, de um facere e não é exclusivamente pública. É pública quando regida pelo Direito Público. Neste sentido (CRETELLA JÚNIOR, apud Basavilbaso, 1999, p. 2157), afirma que “A idéia de função implica, necessariamente, em atividade e quando esta se refere a órgãos do Estado (lato sensu) é pública ou estatal”.

Função pública, no entender de (CRETELLA JÚNIOR, 1999, p. 2157) é a “realização de qualquer ato juridicamente prescrito é, portanto, relativo ao sistema do Estado considerado em sua unidade, o que constitui o exercício duma função e o agente que concorre para a perfeita integração do ato é órgão do Estado”. Exercer uma função pública, também não é exclusividade de agente público titular de cargo público, vinculado a órgãos do Poder Público central ou entidades de natureza autárquica, assim como de ocupantes de empregos públicos. Função pública pode, também, ser desempenhada por agente delegado.

A despeito de opiniões em contrário, as expressões função pública e funcionário público não são correlatas, pois de acordo com (CRETELLA JÚNIOR, 1999, p. 2157) “não só existem funções públicas que são desempenhadas por agentes estranhos aos quadros do funcionalismo como também inversamente, há funcionários que podem acidentalmente não estar, de modo ativo, no desempenho de suas funções”.

Induvidosamente, a atividade registral imobiliária é desempenhada no exercício de uma função pública, a despeito de serem executadas a partir de cargos ou empregos públicos, mas por força de delegação do Poder Público. Corrobora, neste sentido, as lições de (SILVA, 2005, p.873-874), a seguir transcritas: “É fora de qualquer dúvida que as serventias notariais e registrais exercem função pública. Sua Atividade é de natureza pública, tanto quanto o são as de telecomunicações, de radiodifusão, de energia elétrica, de navegação aérea e aeroespacial e de transportes, consoante estatui a Constituição (art. 21, XI e XII). A distinção que se pode fazer consiste no fato de que os últimos são serviços públicos de ordem material, serviços de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, enquanto que os prestados pelas serventias do foro extrajudicial são serviços de ordem jurídica ou formal, por isso têm antes a característica de ofício ou de função pública, mediante a qual o Estado intervém em atos ou negócios da vida privada para conferir-lhes certeza, eficácia e segurança jurídica; por isso, sua prestação indireta configura delegação de função ou ofício público, e não concessão ou permissão, como ocorre nas hipóteses de prestação indireta de serviços materiais – consoante justa observação de Celso Antônio Bandeira de Mello. Ou seja – conforme Frederico Marques: o registro público desempenha uma função de administração pública de interesses privados”.

O registro de imóveis é uma instituição que executa serviço público de natureza jurídica, pois de acordo com (DIP, 2005, p. 186) “assenta no seu caráter social e na sua teleologia (ou enteléquia) de segurança jurídica, que não se passa, em definitiva, num âmbito de somatórios individuais”. O mesmo pode ser dito em face da atividade notarial, que na sua teleologia também tem compromisso com a segurança jurídica.

A despeito da natureza pública da função registral, nem por isso. Necessariamente. se trata de atividade estatal, como pode ser conferido a seguir por (DIP, 2005, p. 186), “definido o caráter público das funções, atividades e serviços ordenados à segurança jurídica, (…) nem por isso se hão de julgar necessariamente estatais esses serviços, funções e atividades, com que se engastaria o radical equívoco de supor que o direito público é o mesmo que direito do Estado (…) ignorando o pluralismo jurídico, o amplificado papel (até mesmo normativo) dos corpos intermediários e as exigências do princípio da subsidariedade.”

Em nível de conclusão (SILVA, 2005, p. 874) afirma que “as serventias de notas e de registro público são organismos privados que prestam um serviço público, desempenham uma função pública” e, que “atuando em nome próprio e por sua conta e risco, desempenham uma função em substituição da Administração Pública”.

O Registro de Imóveis pode ser conceituado como uma instituição jurídico-formal, a cargo de um Oficial Público por força de delegação, que tem por atribuição legal à capacidade para publicizar (registrar, averbar e informar) fatos jurídicos que dizem respeito a bens imóveis, com efeitos constitutivos ou declaratórios do direito real de propriedade, ou direitos reais que recaem sobre o direito real de propriedade imobiliária e ainda, direito de natureza obrigacional, bem como atos ou fatos que dizem respeito aos sujeitos que figuram nos registros, sempre que a lei assim impuser ou autorizar, com a finalidade de dar autenticidade, segurança e eficácia jurídica.

Portanto, a instituição Registro de Imóveis no Brasil compreende um conjunto de atividades jurídicas, qualificadas como função pública, regidas por leis e atos administrativos normativos, notadamente das Corregedorias-Gerais de Justiças dos Estados e do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, sob responsabilidade de uma pessoa natural – delegatária de função pública – cuja finalidade é dar segurança jurídica a atos e fatos jurídicos relacionados predominantemente a direitos reais relacionados a imóveis.

Feitas estas considerações acerca da segurança jurídica e da instituição registro de imóveis, passar-se-á às considerações sobre o direito de propriedade na perspectiva da Constitucional, assim como o Código Civil e a legislação que regra os mecanismos de proteção do direito de propriedade, notadamente no âmbito do Registro de Imóveis.

A Constituição Federal no artigo 5.º, inciso XXII prevê expressamente que é garantido o direito de propriedade e, na sequência, expressa que a propriedade deve se sujeitar à função social. Além da função social, a propriedade também tem uma função econômica, afirmação que pode ser extraída do artigo 170 que inaugura a Ordem Econômica, como também tem uma função ambiental, pelo que se depreende do artigo 225 da Constituição Federal.

Neste cenário Constitucional o Registro de Imóveis, por meio de um sistema de publicidade, assegura a estabilidade das situações jurídico-prediais, notadamente na garantia do direito de propriedade constituído ou declarado por meio de ato registral, assim como os demais direitos reais que recaem sobre o direito de propriedade, sem prejuízo assecuratório de outros direitos de matiz não real.

Por isso, o Registro de Imóveis está voltado precipuamente para cumprir as exigências da segurança jurídica estática dos direitos reais inscritos, embora estejamos caminhando para a segurança jurídica dinâmica – Lei federal n.º 13.097/2015 –, que segundo (DIP, 1987), é a que dá segurança jurídica “ao comércio e ao crédito predial”.

O Código Civil contempla o direito material relacionado aos direitos reais e a Lei dos Registros Públicos – Lei 6.015/73, entre outras – dispõe sobre o direito adjetivo, ou seja, estabelece o regramento processual que rege a inscrição dos atos e fatos jurídicos no Registro de Imóveis, com vistas à segurança jurídica.

No artigo de n.º1.227, o Código Civil, dispõe: “Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (artigos 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.

O Brasil adotou um sistema registral imobiliário publicista-constitutivo, ou seja, as aquisições que têm como causa um negócio jurídico entre vivos, somente se constitui por meio do ato registral no Registro de Imóveis. Em outras palavras, a aquisição do direito não ocorre sem que tenha havido previamente o ato registral de publicidade constitutiva. A segurança jurídica dependerá não apenas do ato registral válido, mas também, da validade do negócio jurídico causal, porque todo ato registral constitutivo de direito real, tem como fato gerador um negócio jurídico.

Não dependem de publicidade constitutiva as aquisições que decorrem de fatos, aos quais a própria lei atribui o direito, independentemente de um ato de vontade, como ocorre, por exemplo, com as aquisições por força de fato morte, usucapião, desapropriação, etc. Embora não haja acorde de vontade, a segurança jurídica dependerá, também, da validade do título apresentado para a publicidade registral desses fatos.

O sistema Registral Imobiliário brasileiro, a despeito de ser constitutivo, não adotou a eficácia saneadora, típica dos sistemas que adotaram a fé-pública, que opera efeitos jure et jure. Adotou o princípio da legitimação registral que opera eficácia juris tantum. O sustentáculo da segurança jurídica dos atos jurídicos praticados no Registro de Imóveis, com a finalidade de proteger os direitos inscritos, reside na presunção juris tantum que eles gozam.

A Lei dos registros Públicos – 6.015/73 – dispõe em seu artigo de n.º172 que: “No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, “inter vivos” ou “mortis causa” quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade”.

A escrituração no âmbito do Registro de Imóveis é feita por meio de atos de registro e de averbação. Os primeiros são os principais, também chamados de autônomos, porque não são dependentes de outros atos, razão pela qual, são os praticados para a publicidade constitutiva e declaratória de direitos, enquanto que os atos de averbação são atos acessórios, que alteram, modificam, cancelam, entre outros, outro ato registral previamente existente.

Esclarece-se, que o registro imobiliário brasileiro é inscritivo de atos e fatos jurídicos donde resultam direitos, que gozam de presunção juris tantum e descritivo de fatos, que não gozam de presunção juris tantum. Os fatos compreendem o imóvel em termos fáticos e sua configuração geodésica, assim como a qualificação dos sujeitos, entre outros. A descrição geodésica do imóvel na matrícula, assim como os dados identificadores dos sujeitos não gozam da mesma presunção que os direitos inscritos.

Por outro lado, a descrição correta dos elementos fáticos é imprescindível para a segurança jurídica dos direitos constituídos ou declarados por meio do ato registral. Exemplificando, para segurança jurídica de um direito real, é necessário que se saiba com exatidão sobre qual bem real o direito incide. Por isso, a matrícula do imóvel – fólio real – exige a descrição geodésica pormenorizada, só assim aumentará a certeza e, por consequência a segurança, em termos de incidência do direito sobre o bem real.

Portanto, para a constituição, transferência e extinção de direitos relacionados com o direito de propriedade imobiliária é necessário, não apenas a publicidade registral, mas, que ela tenha como suporte fático e jurídico uma folia real com a especialização do bem imóvel. Sem estes pressupostos não se torna seguro e oponível em relação a terceiros, sem afastar a ideia de que a publicidade registral é indispensável para a disponibilidade dos direitos.

Numa perspectiva da segurança jurídica dinâmica, ou seja, aquela que protege o comércio e o crédito predial, tivemos recentemente uma inovação legislativa – Lei 13.097/2015 – estabelecendo que os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel informações que têm por objeto citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias; constrição judicial, ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença; restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e decisão judicial comprovando a existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência.

Isso quer dizer que se não forem averbadas as informações referidas, o terceiro que faz um negócio jurídico relacionado a determinado bem imóvel, será considerado de boa-fé, com base no princípio de que aquilo que não consta no Registro de Imóveis não está no mundo jurídico. Por isso, não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados os alcançados pela ineficácia nos casos de decretação de falência e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.

Em rápidas conclusões pode-se afirmar que o Registro de Imóveis brasileiro é uma instituição jurídica, que tem por fim dar segurança jurídica aos direitos inscritos, gozando de presunção juris tantum, com oponibilidade em face de terceiros, salvo nas hipóteses em que a própria lei afasta, assim como uma certa segurança jurídica de terceiros que realizam negócios jurídicos prediais.

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[1] Doutor em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC. Mestre em Desenvolvimento Regional, com ênfase em Político-Institucional pela Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC. Professor de Direito Administrativo, Registros Públicos, Contratos em Espécie no Curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC. Professor e Coordenador de Cursos de pós-graduação lato sensu na Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC e Professor convidado de outras Instituições de Ensino Superior.

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Regularização fundiária rural e urbana em imóveis https://richterlazzeron.adv.br/regularizacao-fundiaria-rural-e-urbana-em-imoveis/ https://richterlazzeron.adv.br/regularizacao-fundiaria-rural-e-urbana-em-imoveis/#respond Mon, 06 Feb 2023 15:44:40 +0000 https://richterlazzeron.adv.br/?p=570 Artigo publicado na Revista do Direito Imobiliário, v. 83, p. 519-551, 2017.

Resumo: O presente artigo trata da regularização fundiária rural e urbana, notadamente a partir de uma nova roupagem com a publicação da Lei federal n.º 13.465/2017 – conversão da Medida Provisória de n.º 759, 22 de dezembro de 2016 – ao modificar algumas diretrizes pré-existentes e introduzir outras, além de alterações em textos legais que já dispunham sobre o tema ou tinham conexão com a temática e, neste contexto, estabelece normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Rural e a Regularização Fundiária Urbana (Reurb), para todo o território nacional, com ênfase nos imóveis públicos e as possíveis implicações no Registro de Imóveis que atua como coprotagonista.

Palavras-chave: Regularização Fundiária – política pública – imóveis públicos – registro de imóveis – Reurb – alienação e uso de bens públicos.

Sumário: 1. Introdução. 2. Da noção de política pública. 3. Do Registro de Imóveis na perspectiva das políticas públicas. 4. Das noções gerais sobre a política pública de regularização fundiária rural e urbana. 5. Do regime jurídico dos bens públicos: aspectos gerais. 6.  Das alterações introduzidas pela Lei federal n.º 13.465/2017: alienação e uso de bens imóveis da União. 7. Das alterações introduzidas pela Lei federal n.º 13.465/2017: alienação e uso de bens imóveis da União. 8. Conclusões.

  1. Introdução

            A falta de planejamento e implementação de políticas públicas de ordenação do solo brasileiro, entre outros fatores, são responsáveis pelo insuficiente acesso formal à terra e o uso adequado, assim como o crescimento descontrolado – urbanístico, ambiental, econômico e socialmente – dos espaços urbanos no Brasil. Todo este cenário é uma dura realidade, visto que passa ao largo de ambientes que dignificam a vida humana, justamente porque não atendem aos princípios fundamentais da organização política e jurídica brasileira, que são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, em boa parte porque o poder que emana do povo nem sempre é exercido nos termos da Constituição.

            Por isso o exercício do poder que emana do povo deve ter como norte, além dos princípios fundamentais, também os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que são: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização, assim como a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

            Os princípios fundamentais e os objetivos fundamentais são, portanto, modeladores da concretização dos direitos fundamentais, tanto os de primeira dimensão, como o direito de e à propriedade, como os de segunda dimensão – de natureza social – que exigem do Estado ações positivas, com a finalidade de materializá-los, notadamente os direitos à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados, sem afastar outros como o direito público subjetivo ao meio ambiente equilibrado e sustentável, todos relacionados direta ou indiretamente com o tema regularização fundiária rural e urbana.

            Em sintonia com os princípios objetivos e direitos fundamentais, a Constituição trata das políticas urbana e agrária em dois capítulos distintos, permeados pela noção da função social da propriedade. Nesta perspectiva, a função social da propriedade rural é cumprida quando atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

            Na mesma toada, a Constituição Federal, ao dispor sobre a política urbana de desenvolvimento urbano, prevê que deve ser executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei e tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, tendo o plano diretor como o seu instrumento básico. Além disso, que a propriedade urbana cumpre sua função social somente quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas nesse plano diretor. No contexto da função social da propriedade, a Constituição prevê expressamente: aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

No contexto dos comandos constitucionais, foi promulgada a Lei federal n.º 13.465, de 11 de julho de 2017, com a finalidade de implementar a política pública de regularização fundiária rural e urbana, entre outras providências, a qual pode ser desdobrada em três temas distintos, mas ao mesmo tempo conexos entre si, esclarecendo-se que não é propósito do texto uma abordagem acerca dos acertos e equívocos da Lei, porque isto requer um certo tempo de maturação, mas sim narrar alguns aspectos relacionados com a regularização fundiária rural e urbana, com incidência sobre bens públicos, em especial os da União e algumas de suas repercussões no Registro de Imóveis.

Inicialmente a Lei 13.465/2017 dispõe sobre a regularização fundiária rural e na sequência estabelece normas gerais sobre a regularização fundiária urbana, institui no território nacional normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), a qual abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes e, por fim, trata dos procedimentos de avaliação e alienação de imóveis da União, com o afastamento de licitação pública, além de outras disposições, além de introduzir alterações em outras leis federais que dispõem sobre os referidos temas.

O instituto bens públicos, em que estão inseridos os bens imóveis da União, é regido ordinariamente, no Direito brasileiro, pelo direito público, que apresenta como características a inalienabilidade, impenhorabilidade, imprescritibilidade e não-onerabilidade, modelando de uma forma bastante rígida a alienabilidade e o uso dos bens públicos, o que os distingue dos bens privados, cujo regime jurídico apresenta como características, salvo as exceções legais, justamente a alienabilidade, a penhorabilidade, a prescritibilidade e a onerabilidade.

Em face das disposições da referida Lei federal n.º 13.465/2017, pergunta-se: quais são as principais alterações introduzidas pela Lei, em especial no que diz respeito à alienação e o uso dos bens públicos? Além disso, quais as implicações que estas alterações têm no âmbito do Registro de Imóveis? Para tanto, far-se-á uma breve abordagem da noção de política pública, do Registro de Imóveis na perspectiva das políticas públicas, das noções gerais sobre a política pública de regularização fundiária rural e urbana, do regime jurídico dos bens públicos e das alterações introduzidas e das suas implicações no âmbito do Registro de Imóveis.

  • Da noção de política pública

O Estado Democrático de Direito brasileiro, fundado na Constituição que consagra o princípio da dignidade da pessoa humana como o eixo principal dos direitos fundamentais, porque é em torno dele que se estruturam os outros direitos fundamentais, notadamente os direitos sociais-econômicos, supera a noção clássica do Estado Liberal, que outorgava ao governante a prerrogativa de eleger as prioridades em termos de políticas públicas, porque boa parte das prioridades estão consagradas na própria Constituição, diminuindo a margem de escolhas políticas pelos governantes, como pode acontecer com as políticas agrárias e urbanísticas.

A Constituição Federal qualifica a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito e inseriu os direitos econômico-sociais no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, por isso são considerados “direitos sociais fundamentais”. Nesse contexto, “os direitos fundamentais passam a ser considerados para além de sua função originária de instrumentos de defesa da liberdade individual, elementos da ordem jurídica objetiva, integrando um sistema axiológico que atua como fundamento material de todo o ordenamento jurídico”.[1]

Ordinariamente, é por meio de políticas públicas que se dá a concretização material dos direitos fundamentais, que podem ser conceituadas como “programas de ação do governo, para a realização de objetivos determinados, num espaço de tempo certo”;[2] ou o “conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um objetivo determinado”[3] ou “a expressão políticas públicas designa todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do poder público na vida social”.[4] Portanto, na linha de raciocínio dos autores trazidos à colação, política pública, no plano fático, compreende uma atuação do Estado; no plano político, um programa de governo que elege prioridade, meios e fins; e, no plano jurídico, um conjunto de normas e atos administrativos tendentes à concretização de direitos fundamentais.

Na perspectiva de que as políticas públicas compreendem programas de ação do governo, portanto, orientadas pela política, impõe-se esclarecer que a política compreende três dimensões, que são: polity, politics e policy. De acordo com Frey, a dimensão polity refere-se à “ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo[5]. A politics, de acordo com Schmidt, “abrange a dimensão dos processos que compõe a dinâmica política e da competição pelo poder, que lhe é inerente” e a policy “compreende os conteúdos concretos da política, as políticas públicas”[6]. A política pública é o Estado em ação, “resultado da política institucional e processual”. razão pela qual “as relações entre polity, politics e policy são permanentes e as influências são recíprocas”.[7]

Por isso a noção conceitual de políticas públicas não compreende uma categoria definida e instituída pelo Direito, mas por meio de arranjos complexos, típicos da atividade político-administrativa, que a ciência do Direito deve estar apta a descrever, compreender e analisar, de modo a integrar à atividade política os valores e métodos próprios do universo jurídico e para investigar sobre os fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas são necessárias algumas premissas: i) a decisão governamental como problema central da análise jurídica de políticas públicas; ii) o enfoque analítico privilegiando a ação racional, estratégica e em escala ampla; e iii) foco primordial no aspecto jurídico-institucional com olhar prospectivo, nas formas e nos procedimentos necessários para traduzir os fatores políticos, produzindo ação governamental democrática e a longo prazo jurídica e socialmente sustentada.[8]

Na perspectiva jurídica, as políticas públicas são arranjos institucionais – no âmbito da atividade político-administrativa – produzidos num processo de interação entre a política e o direito, mediados pelos princípios e valores, com vistas à concretização dos Direitos Fundamentais. Por isso Leal entende que as políticas públicas são o locus privilegiado para a judicialização da política e do direito, porque “no atual contexto democrático, o âmbito das Políticas Públicas aparece como um foco privilegiado de análise, em virtude de seu objeto e de sua natureza, pois, enquanto instrumentos de atuação – política – voltados à realização dos direitos fundamentais (jurídicos), tem-se configurado, nelas, um lugar de atuação da Política sobre o Direito ou, pelo menos, em que a realização do Direito se dá por meio de opções/escolhas políticas”[9].

  • Do Registro de Imóveis na perspectiva das políticas públicas

O Registro de Imóveis é uma instituição jurídico-formal, que tem por finalidade dar segurança jurídica aos atos e fatos jurídicos, notadamente os relacionados com o direito de propriedade imobiliária e outros direitos reais que podem incidir sobre o direito de propriedade, sem prejuízo da publicidade registral de outros atos e fatos que a lei impõe ou autoriza. Trata-se, portanto, de uma instituição estatal, ainda que a atividade seja executada em caráter privado, que tem a sua justificativa relacionada aos direitos fundamentais clássicos, notadamente o direito de propriedade imobiliária, como direito natural do homem e hoje positivado na Constituição Federal.

            Existe uma relação estreita entre o direito de propriedade imobiliária e a instituição registral imobiliária, como instrumento de proteção do direito de propriedade em sentido estático, em face do Estado e de outros particulares, cuja finalidade precípua é a segurança jurídica. Contudo, sem abandonar a segurança jurídica, a evolução dos direitos fundamentais, notadamente os de natureza social, que têm na dignidade da pessoa humana o seu principal eixo, exige  do registro de imóveis uma atuação que não apenas assegure o direito de propriedade, mas que atue voltado à viabilização da concretização dos direitos sociais conexos com o direito de propriedade, como por exemplo, as regularizações fundiárias rural e urbana, que são pressupostos para a concretização dos direitos sociais, anteriormente enumerados.

            A finalidade precípua do Registro de Imóveis é a segurança jurídica, que começou a ser moldada com a chegada do iluminismo e a Revolução Francesa, justamente para defender os direitos fundamentais, notadamente o direito de propriedade. É a partir da unicidade do Direito – e sua codificação – que se implementou juridicamente a segurança jurídica e esse processo condicionou a sociedade e o mundo jurídico, no sentido de que só o direito pode assegurar a ordem e a segurança necessárias ao progresso. “O resultado dessa nova percepção é o abandono tanto da descentralização do poder como do pluralismo de ordenamentos jurídicos, em busca de unificação dos territórios, a fim de permitir a formação de um Estado Nacional soberano e detentor do monopólio de produção das normas jurídicas”[10]

Cabe ao Estado de Direito assegurar os direitos fundamentais, assim como os sociais fundamentais, que em face de sua dimensão objetiva acabam por se irradiar a toda ordem jurídica. Sem essa dinâmica, haverá desproteção aos referidos direitos e não haverá imunização às ameaças e aos riscos. Por isso, a segurança jurídica converte-se em valor jurídico para a concretização de todos os valores constitucionais e, nesse sentido, a segurança jurídica pode ser considerada como um instrumento assecuratório dos direitos que envolvem autonomia privada, notadamente liberdade e propriedade.

Para além da segurança jurídica do direito de propriedade inscrito, a Constituição brasileira projeta, também, a segurança jurídica ao direito de adquirir a propriedade, ou seja, as políticas públicas que fomentam a aquisição do direito de propriedade. Por isso, a segurança jurídica no âmbito do Registro de Imóveis está diretamente relacionada às funções social, econômica e ambiental da propriedade, o que permite afirmar que o Registro de Imóveis assenta a sua telelologia na concretização da segurança jurídica do direito de propriedade e do direito à propriedade, sem prejuízo assecuratório de outros direitos sociais, como é a hipótese do direito à moradia, que pode ser concretizado, por exemplo, também por meio da concessão de direito real de uso.

É como instituição certificadora de fé-pública que o Registro de Imóveis vai assumindo posição importante como coprotagonista das políticas públicas que dignificam a vida humana, notadamente naquelas que têm por objeto o direito fundamental de e à propriedade, assim como nas políticas públicas que têm por finalidade concretizar o direito social à moradia. Se na origem o Registro de Imóveis tinha por finalidade assegurar o direito fundamental de propriedade inscrito – direito estático – cada vez mais é chamado a integrar o rol de sujeitos que integram, de forma sistêmica, a realização de políticas públicas sociais que possuem conexão com a sua finalidade precípua, mas na perspectiva dinâmica.

  • Das noções gerais sobre a política pública de regularização fundiária rural e urbana

A política de regularização fundiária rural e urbana ganha uma nova roupagem com a publicação da Lei federal n.º 13.465/2017 – conversão da Medida Provisória de n.º 759, 22 de dezembro de 2016 – ao modificar algumas diretrizes pré-existentes e introduzir outras, além de alterações em textos legais que já dispunham sobre o tema ou tinham conexão com a temática e, neste contexto, estabelece normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Rural e a Regularização Fundiária Urbana (Reurb), para todo o território nacional, o que não exclui a competência suplementar dos Estados e, também, as dos municípios, em matéria urbanística.

No âmbito da regularização fundiária rural – primeira parte da Lei – foram introduzidas alterações na Lei federal n.º 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária; na  Lei federal de n.o 13.001, de 20 de junho de 2014, que dispõe sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária; na Lei federal de n.o 11.952, de 25 de junho de 2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal; na  Lei federal de n.o 13.340, de 28 de setembro de 2016, que autoriza a liquidação e a renegociação de dívidas de crédito rural; na Lei federal de n.º 8.666, de 21 de 21 de junho de 1993, em especial acerca da alienação direta de bens públicos da União; na Lei federal de n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, notadamente no artigo 216-A, que dispõe sobre a usucapião extrajudicial e na Lei federal de n.º  Lei nº 12.512, de 14 de outubro de 2011, que institui o Programa de Apoio à Conservação Ambiental e o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais.

A segunda parte da Lei estabelece normas gerais sobre a regularização fundiária urbana, aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb) em todo território nacional, abrangendo medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes, dispondo sobre os objetivos da Reurb, suas modalidades, os legitimados para requerer, dos instrumentos da Reurb, das legitimações fundiária e de posse, do procedimento administrativo da Reurb, do projeto de regularização fundiária, da conclusão da Reurb, do registro da Reurb no Registro de Imóveis, da regularização de conjuntos habitacionais, do condomínio urbano simples, da arrecadação de imóveis abandonados, além de disposições finais e transitórias.

A Reurb compreende duas modalidades: Reurb de Interesse Social (Reurb-S) – regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal; e a Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) – regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese da Reurb-S. 

Além das normas gerais sobre a Reurb, a Lei insere alterações na Lei Federal de n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil – instituindo o direito real de laje e o condomínio de lotes; na Lei federal de n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, em especial sobre atos de averbação, registro e abertura de matrícula; na Lei federal de n.o 13.105, de 16 de março de 2015 – novo Código de Processo Civil; na Lei federal de n.º 11.977, de 7 de julho de 2009, introduzindo regras para a regularização da propriedade fiduciária do Fundo de Arrendamento Residencial-FAR; na Lei federal de n.o 9.514, de 20 de novembro de 1997, em especial regras de procedimento de cobrança; e, nas disposições finais e transitórias, introduz alterações na Lei no 6.766, de 19 de dezembro de 1979, em especial adequações em face da instituição do condomínio de lotes; na Lei federal de n.o 11.124, de 16 de junho de 2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS; na Medida Provisória no 2.220, de 4 de setembro de 2001; na Lei federal de n.o 6.766, de 19 de dezembro de 1979; na Lei federal de n.o 10.257, de 10 de julho de 2001; na Lei federal de n.º 11.977, de 7 de julho de 2009; na Lei federal de n.o 6.015, de 31 de dezembro de 1973, em especial a revogação do artigo 288-A e na Lei federal de n.º 12.651, de 25 de maio de 2012,  sobre regras acerca dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente.

Nesta nova roupagem, a regularização fundiária urbana é definida como um conjunto de regras que abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes. Trata-se, portanto, de uma política pública abrangente, multidisciplinar e complexa, que tem por objeto núcleos urbanos informais, o que exige uma atuação sistêmica de todos os agentes envolvidos.

Para os efeitos da Lei 13.465/2017, núcleo urbano é definido como o assentamento humano, com uso e características urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento, prevista na Lei no 5.868/72, independentemente da propriedade do solo – pública ou privada –, ainda que situado em área qualificada ou inscrita como rural. O núcleo urbano informal, segundo a Lei, é o clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização; e o núcleo urbano informal consolidado, aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município. 

Por se tratar de matéria concorrente, nos termos do artigo 24, I, da Constituição Federal, a União estabelece as normas gerais e impõe aos poderes públicos a obrigação de formular e desenvolver nos seus respectivos espaços urbanos as políticas de suas competências de acordo com os princípios de sustentabilidade econômica, social e ambiental e ordenação territorial, buscando a ocupação do solo de maneira eficiente, combinando seu uso de forma funcional.

Além disso, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem observar os objetivos da Regularização Fundiária Urbana-Reurb, de acordo com as suas competências constitucionais, identificando os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior, além de criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes.

Outro objetivo é a ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados, mas, para isso, os entes políticos precisam promover a integração social e a geração de emprego e renda; estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade; garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas;  garantir a efetivação da função social da propriedade;  ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. 

Neste contexto, a Lei objetiva, ainda, a concretização do princípio constitucional da eficiência na ocupação e no uso do solo; a prevenção e o desestímulo à formação de novos núcleos urbanos informais; a concessão de direitos reais, preferencialmente em nome da mulher, e franquear participação dos interessados nas etapas do processo de regularização fundiária.

Para alcançar os objetivos da Reurb, além dos assentamentos em áreas privadas, os procedimentos da Reurb serão promovidos em áreas públicas. Para fins da Reurb, fica dispensada a desafetação de áreas públicas, assim como autorização legislativa, avaliação prévia e licitação na modalidade de concorrência e, quando se tratar de áreas da União, a regulamentação dos procedimentos é de competência da Secretaria do Patrimônio da União-SPU, sem prejuízo da eventual adoção de procedimentos e instrumentos previstos para a Reurb, cuja transferência do domínio ou do direito real de uso aos assentados poderá ser onerosa ou gratuita, mas de forma direta, sem a necessidade de prévia licitação pública.

  • Do regime jurídico dos bens públicos: aspectos gerais

Se por um lado o Registro de Imóveis foi instituído para dar segurança jurídica à propriedade imobiliária privada e seus direitos reais conexos, entre outras atribuições; por outro, é inegável que também projeta segurança jurídica sobre os bens imóveis públicos, ainda que em graus diferentes, porque os afetados pelo regime jurídico de direito público não dependem, ordinariamente, do registro para a comprovação do domínio público. Contudo, nas hipóteses em que o ente político-administrativo e os entes autárquicos adquirirem bens imóveis por meio de institutos de direito privado, como, por exemplo, compra e venda, doação, dação em pagamento, o ato registral é necessário para efeitos de constituição do direito de propriedade, assim também, por exemplo, nas hipóteses de alienação de bens públicos e ou constituição do direito real de uso, que precisam ser publicizados no Registro de Imóveis.      

A categoria bens públicos, em sentido estrito, compreende um conjunto de bens sujeitos a um regime jurídico de direito público, em razão de sua destinação, que pode ser de uso comum ou de uso especial. A partir desse enunciado é possível afirmar que existe diferença entre bem público e bem estatal, porque nem todos os bens submetem-se ao mesmo regime jurídico, visto que alguns entes estatais são de direito público e outros de direito privado.

            Corroborando a afirmação, o artigo 98 do Código Civil preconiza: “são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem. Ou seja, quanto à titulação, são bens públicos aqueles que pertencem às pessoas jurídicas de direito público e privados os bens que pertencem às pessoas jurídicas de direito privado.

            Apesar disso, nem todos os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público estão sujeitos ao regime jurídico de direito público que afeta bens públicos a destinações públicas, retirando-os do comércio. É neste sentido a classificação dos bens públicos prevista no artigo 99 do Código Civil, ao dispor que os bens públicos são os de uso comum do provo, os de uso especial e os dominicais. Os primeiros estão afetados em favor do povo e os segundos em favor da própria administração pública, enquanto os últimos não estão afetados, por isso se caracterizam como bens patrimoniais, passíveis de alienação. De acordo com o artigo 100 do Código Civil, “os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar” e o artigo 101 prevê que “os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei”.

    O regime jurídico da alienação de bens imóveis da Administração Pública direta e autárquica – previsto na Lei federal de n.º 8.666/93, tem como regra a subordinação da alienação à existência de interesse público devidamente justificado, prévia avaliação, autorização legislativa e licitação na modalidade de concorrência, embora admitida também a modalidade de leilão para os bens imóveis, cuja aquisição tenha derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento, que poderão ser alienados por ato da autoridade competente. Contudo, desde a origem, a Lei admitia exceções à necessária e prévia licitação e, com o passar do tempo, foram aumentando por força de leis que introduziram alterações, dentre as quais a Lei federal n.º 13.465/2017.

Ainda que a regra para a alienação e concessão de direito real de uso de bens imóveis públicos seja a prévia licitação, dentre outros requisitos, a própria Lei federal de n.º 8.666/93 já apresenta exceções, que são: a dação em pagamento, a doação, inicialmente permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo e, posteriormente, por força de novos comandos legislativos foi se ampliando para alcançar a alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais – ou de regularização fundiária de interesse social – desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública e alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) e inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública.

Outra exceção à prévia e necessária licitação é a permuta de bem imóvel público por outro imóvel desde que destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha e que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia; a investidura, com redação dada pela Lei federal n.º 9.648/98, compreende: a alienação aos proprietários de imóveis lindeiros de área remanescente ou resultante de obra pública, área esta que se tornar inaproveitável isoladamente, por preço nunca inferior ao da avaliação e desde que esse não ultrapasse a 50% (cinquenta por cento) do valor constante da alínea “a” do inciso II do art. 23 da Lei de Licitações, e, também, a alienação, aos legítimos possuidores diretos ou, na falta destes, ao Poder Público, de imóveis para fins residenciais construídos em núcleos urbanos anexos a usinas hidrelétricas, desde que considerados dispensáveis na fase de operação dessas unidades e não integrem a categoria de bens reversíveis ao final da concessão.

A venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, também não está condicionada à prévia licitação pública, por força da Lei federal de n.º 8.883/94; assim como os procedimentos de legitimação de posse do ocupante de terras públicas, que as tenha tornado produtivas com o seu trabalho e o de sua família, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Administração Pública em cuja competência legal inclua-se tal atribuição, de acordo com a Lei federal n.º 11.196/2005.  

Igualmente a Administração Pública poderá conceder título de propriedade ou de direito real de uso de imóveis, dispensada licitação – nos termos da Lei federal n.º 11.196/2005 –, quando o uso destinar-se a outro órgão ou entidade da Administração Pública, qualquer que seja a localização do imóvel e para a pessoa física que, nos termos de lei, regulamento ou ato normativo do órgão competente, haja implementado os requisitos mínimos de cultura e moradia sobre área rural situada na região da Amazônia Legal, superior à legalmente passível de legitimação de posse, atendidos os limites de área definidos por ato normativo do Poder Executivo. Neste ponto a Lei federal n.º 13.465/2017 alterou a redação para: a pessoa natural que, nos termos de lei, regulamento ou ato normativo do órgão competente, haja implementado os requisitos mínimos de cultura, ocupação mansa e pacífica e exploração direta sobre área rural, observado o limite de que trata o § 1o do art. 6o da Lei no 11.952, de 25 de junho de 2009, ou seja, áreas não superiores a 2.500 ha (dois mil e quinhentos hectares).

Outra alteração introduzida pela Lei federal n.º 13.465/2017 é a possibilidade de alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União e do Incra, onde incidam ocupações até o limite de que trata o § 1o do art. 6o da Lei no 11.952/2009, ou seja, áreas não superiores a 2.500 ha (dois mil e quinhentos hectares) para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais. Além dessas, outras alterações relacionadas com a alienação e uso de bens públicos da União foram introduzidas no ordenamento jurídico, que serão objeto de uma narrativa na sequência.

  • Das alterações introduzidas pela Lei federal n.º 13.465/2017: alienação e uso de bens imóveis da União

Ainda que, por um lado, a Lei federal n.º 13.465/2017 estabelece normas gerais sobre a Regularização Fundiária Rural e Urbana-Reurb, por outro, estabelece regramentos específicos para a União e, neste contexto, outorga à Secretaria do Patrimônio da União-SPU competência para regulamentar os procedimentos para a Reurb promovida em áreas de domínio da União, sem prejuízo da eventual adoção de procedimentos e instrumentos previstos para a Reurb na própria Lei federal de n.º 13.465/2017.

Quando se tratar de Regularização Fundiária Urbana de Interesse Específico-Reurb-E, tendo por objeto projeto de parcelamento de imóveis da União, devidamente reconhecido pela autoridade pública, poderão ser, no todo ou em parte, vendidos diretamente aos seus ocupantes, dispensados os procedimentos exigidos pela Lei de Licitações, vistos anteriormente, porém de acordo com a regulamentação efetuada pela Secretaria do Patrimônio da União-SPU, cujo prazo para a expedição do regulamento é de doze meses contado da data de publicação da Lei federal de n.º 13.465/2017. 

Contudo, esta venda aplica-se unicamente aos imóveis ocupados até 22 de dezembro de 2016, exigindo-se que o usuário seja regularmente inscrito e esteja em dia com suas obrigações para com a Secretaria do Patrimônio da União-SPU e, além disso, só poderá ser concedida para, no máximo, dois imóveis, um residencial e um não residencial, regularmente cadastrados em nome do beneficiário na Secretaria do Patrimônio da União-SPU. 

Trata-se de venda direta, à vista ou financiada a prazo, que, nesse caso, deverá obedecer à Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997, ficando a União com a propriedade fiduciária dos bens alienados até a quitação integral, observando que para os ocupantes com renda familiar situada entre cinco e dez salários mínimos, a aquisição poderá ser realizada em até duzentas e quarenta parcelas mensais e consecutivas, mediante sinal de, no mínimo, 5% (cinco por cento) do valor da avaliação, e o valor da parcela mensal não poderá ser inferior ao valor equivalente ao devido pelo usuário a título de taxa de foro ou ocupação, quando requerido pelo interessado. 

Para os ocupantes com renda familiar acima de dez salários-mínimos, a aquisição, quando financiada, poderá ser parcelada em até cento e vinte parcelas mensais e consecutivas, mediante um sinal de, no mínimo, 10% (dez por cento) do valor da avaliação, e o valor da parcela mensal não poderá ser inferior ao valor equivalente ao devido pelo usuário a título de taxa de foro ou ocupação, quando requerido pelo interessado. 

O preço da venda dos imóveis da União, integrantes da Reurb-E, será fixado com base no valor de mercado do imóvel, considerado o preço mínimo para as alienações onerosas realizadas pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), ou pela unidade gestora responsável, podendo ser contratada para isso a Caixa Econômica Federal, com dispensa de licitação, ou empresa especializada, estabelecido em laudo de avaliação, cujo prazo de validade será de, no máximo, doze meses.         

     Para os casos de venda direta, o preço será fixado com base no valor de mercado do imóvel, excluídas as benfeitorias realizadas pelo ocupante, cujo prazo de validade da avaliação será de, no máximo, doze meses; para as alienações que tenham como objeto a remição do aforamento ou a venda do domínio pleno ou útil, para os ocupantes ou foreiros regularmente cadastrados na Secretaria do Patrimônio da União-SPU, a avaliação poderá ser realizada por trecho ou região, desde que comprovadamente homogêneos, com base em pesquisa mercadológica e critérios estabelecidos no zoneamento ou plano diretor do Município e, em se tratando de condomínio edilício privado, as áreas comuns, excluídas suas benfeitorias, serão adicionadas na fração ideal da unidade privativa correspondente.

Por outro lado, em se tratando de pessoas físicas de baixa renda que, por qualquer título, utilizem regularmente imóvel da União, inclusive imóveis provenientes de entidades federais extintas, para fins de moradia até 22 de dezembro de 2016, e que sejam isentas do pagamento de qualquer valor pela utilização, na forma da legislação patrimonial e dos cadastros da Secretaria do Patrimônio da União-SPU, poderão requerer diretamente ao Oficial do Registro de Imóveis, mediante apresentação da Certidão de Autorização de Transferência-CAT expedida pela Secretaria do Patrimônio da União-SPU, a transferência gratuita da propriedade do imóvel, desde que a renda familiar mensal não seja superior a 5 (cinco) salários mínimos e não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.  

Cabe também à Secretaria do Patrimônio da União-SPU, por meio de ato específico, a regulamentação dos procedimentos para a transferência gratuita, inclusive aqueles relacionados à forma de comprovação dos requisitos pelos beneficiários do direito real de uso ou do domínio pleno de imóveis da União no âmbito da Reurb-S, que somente poderá ser concedida uma vez por beneficiário e não depende de avaliação prévia do imóvel ou prévia autorização legislativa específica: basta que o interessado requeira a concessão de direito real de uso ou o domínio pleno do imóvel junto à Secretaria do Patrimônio da União-SPU, e a expedição da Certidão de Autorização de Transferência para fins de Reurb-S (CAT-Reurb-S), a qual valerá como título hábil para a aquisição do direito mediante o registro no cartório de registro de imóveis competente.

Para o registro da Certidão de Autorização de Transferência para fins de Reurb-S (CAT-Reurb-S) é necessário que o imóvel esteja regularizado junto ao Cartório de Registro de Imóveis. Em se tratando de imóvel da União que não se encontrar regularizado, a matrícula poderá ser aberta a pedido da Secretaria do Patrimônio da União-SPU, por meio de requerimento dirigido ao oficial do referido cartório, acompanhado dos seguintes documentos: planta e memorial descritivo do imóvel, assinados por profissional habilitado perante o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia-Crea ou o Conselho de Arquitetura e Urbanismo-CAU, condicionados à apresentação da Anotação de Responsabilidade Técnica-ART ou do Registro de Responsabilidade Técnica-RRT, quando for o caso; e ato de discriminação administrativa do imóvel da União para fins de Reurb-S, a ser expedido pela Secretaria do Patrimônio da União-SPU, salvo àqueles submetidos a procedimentos específicos de identificação e demarcação, os quais continuam submetidos às normas pertinentes.

A União, suas autarquias e fundações públicas de direito público, ficam autorizadas a transferir aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal as áreas públicas federais ocupadas por núcleos urbanos informais, para que promovam a Reurb nos termos da Lei federal de n.º 13.465/2017, observado o regulamento quando se tratar de imóveis de titularidade de fundos e, com isso, deslocando a responsabilidade pela regularização para os Municípios. 

Outras alterações foram introduzidas pela Lei federal de n.º 13.465/2017, notadamente no Decreto-Lei no 2.398, de 21 de dezembro de 1987, que dispõe sobre foros, laudêmios e taxas de ocupação relativas a imóveis de propriedade da União, estabelecendo critérios para efeitos de cobrança do foro, da taxa de ocupação, do laudêmio e de outras receitas extraordinárias, incidentes sobre o valor do domínio pleno do terreno da União, além de dispor a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direito a eles relativos e o prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor.

Também foram alteradas disposições da Lei federal de n.o 13.240, de 30 de dezembro de 2015, que dispõe sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos, que, em síntese, podem ser narradas da seguinte forma: os imóveis inscritos em ocupação poderão ser alienados pelo valor de mercado do imóvel, contudo, o ocupante que não optar pela aquisição dos imóveis continuará submetido ao regime de ocupação, na forma da legislação vigente.

Além disso, o Poder Executivo federal fica autorizado, por intermédio da Secretaria do Patrimônio da União-SPU, a contratar a Caixa Econômica Federal, a qual representará a União na celebração dos contratos, independentemente de processo licitatório, para a prestação de serviços relacionados à administração dos contratos, arrecadação e cobrança administrativa decorrentes da alienação dos imóveis e que caberá ao Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, permitida a delegação, editar portaria com a lista de áreas ou imóveis sujeitos à alienação nos termos da Lei federal de n.º 13.465/2017.

Além de tudo, a Secretaria do Patrimônio da União-SPU fica autorizada a receber Proposta de Manifestação de Aquisição por ocupante de imóvel da União que esteja regularmente inscrito e adimplente com suas obrigações com aquela Secretaria e, ainda, que os imóveis de propriedade da União arrolados na portaria de que trata o art. 8o e os direitos reais a eles associados poderão ser destinados à integralização de cotas em fundos de investimento.

Na Lei federal de n.o 9.636, de 15 de maio de 1998, que dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, foram introduzidas alterações, que, em linhas gerais, são: o estabelecimento de critérios para a determinação do valor do domínio pleno do terreno da União, para efeitos de cobrança do foro, da taxa de ocupação, do laudêmio e de outras receitas extraordinárias; que as avaliações para fins de alienação onerosa dos domínios pleno, útil ou direto de imóveis da União serão realizadas pela Secretaria do Patrimônio da União -SPU, ou pela unidade gestora responsável, podendo ser contratada para isso a Caixa Econômica Federal, com dispensa de licitação, ou empresa especializada; que o domínio útil, quando adquirido mediante o exercício da preferência de que tratam o art. 13 e o § 3o do art. 17 da Lei, federal de n.º 13.465/2017, poderá ser pago à vista. 

Além disso, para os terrenos submetidos ao regime enfitêutico, ficam autorizadas a remição do foro e a consolidação do domínio pleno com o foreiro mediante o pagamento do valor correspondente ao domínio direto do terreno, excluídas as benfeitorias realizadas pelo foreiro, e, ainda, que a Secretaria do Patrimônio da União-SPU fica autorizada a receber Proposta de Manifestação de Aquisição por foreiro de imóvel da União que esteja regularmente inscrito e adimplente com suas obrigações com aquela Secretaria. 

E por fim, na hipótese de ocorrência de leilão deserto ou fracassado na venda de bens imóveis da União, poderão ser disponibilizados para venda direta. Em se tratando de leilão deserto ou fracassado por duas vezes consecutivas, cujo valor de avaliação do imóvel seja de até R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), a Secretaria do Patrimônio da União-SPU fica autorizada a conceder desconto de até 10% (dez por cento) sobre o valor estabelecido em avaliação vigente.

Na Lei federal de n.o 8.036, de 11 de maio de 1990, que dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, foi introduzida alteração no sentido de que a conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada, também, para o pagamento total ou parcial do preço de aquisição de imóveis da União inscritos em regime de ocupação ou aforamento, a que se referem o art. 4o da Lei no 13.240, de 30 de dezembro de 2015, e o art. 16-A da Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998, respectivamente, desde que o mutuário conte com no mínimo três anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou em empresas diferentes; a operação financiável nas condições vigentes para o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) ou ainda por intermédio de parcelamento efetuado pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), mediante a contratação da Caixa Econômica Federal como agente financeiro dos contratos de parcelamento e que sejam observadas as demais regras e condições estabelecidas para uso do FGTS.

Também no Decreto-Lei no 1.876, de 15 de julho de 1981, que dispensa do pagamento de foros e laudêmios os titulares do domínio útil dos bens imóveis da União, foram introduzidas alterações, notadamente na definição de carência ou baixa renda para fins de isenção do pagamento de foros, taxas de ocupação e laudêmios, referentes a imóveis de propriedade da União, responsável por imóvel da União que esteja devidamente inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), ou aquele responsável, cumulativamente: cuja renda familiar mensal seja igual ou inferior ao valor correspondente a cinco salários mínimos; e que não detenha posse ou propriedade de bens ou direitos em montante superior ao limite estabelecido pela Receita Federal do Brasil para obrigatoriedade de apresentação da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física.

O Decreto-Lei no 9.760, de 5 de setembro de 1946, que dispõe sobre os bens imóveis da União, sofreu alterações que impõem obrigações ao antigo foreiro e ao antigo ocupante, no sentido de comunicar à Superintendência do Patrimônio da União a transferência do domínio útil ou do direito de ocupação, no prazo de até sessenta dias, sob pena de permanecer responsável pelos débitos que vierem a incidir sobre o imóvel até a data da comunicação.

A Lei federal de n.o 13.139, de 26 de junho de 2015, que Altera os Decretos-Lei no 9.760, de 5 de setembro de 1946, no 2.398, de 21 de dezembro de 1987, a Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998, e o Decreto-Lei no 1.876, de 15 de julho de 1981, que dispõem sobre o parcelamento e a remissão de dívidas patrimoniais com a União, também foi alterada para conceder desconto de 50% (cinquenta por cento) na incidência de multa de mora para os débitos patrimoniais não inscritos em dívida ativa da União e vencidos até 31 de dezembro de 2016, desde que os débitos do interessado perante a Secretaria do Patrimônio da União-SPU venham a ser pagos integralmente e em parcela única até o dia 31 de dezembro de 2017.

Nas disposições finais, está disposto que a lei faculta aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal utilizarem a prerrogativa de venda direta aos ocupantes de suas áreas públicas objeto da Reurb-E, dispensados os procedimentos exigidos pela Lei de Licitações, desde que os imóveis se encontravam ocupados até 22 de dezembro de 2016, devendo, contudo, expedir regulamento para regrar o processo por meio de legislação própria.

Outra alteração que não está diretamente relacionada com a alienação e concessão de uso de bens públicos, mas indiretamente sim, por se tratar de instituto aquisitivo de propriedade pelo Poder Público, é a desapropriação. Foi acrescentado o artigo 34-A, no Decreto-lei de n.º 3365/41, dispondo sobre a imissão provisória na posse com a concordância do expropriado. Se houver concordância do expropriado, reduzida a termo, a decisão concessiva da imissão provisória na posse implicará a aquisição da propriedade pelo expropriante com o consequente registro da propriedade na matrícula do imóvel, o que não implica renúncia do expropriado ao direito de questionar o preço ofertado em juízo. 

E, por fim, outras alterações introduzidas na Lei federal n.º 8.666/93, envolvendo a alienação e concessão de direito real de uso de bens imóveis da União e do Incra: a primeira trata da concessão de título de propriedade ou de direito real de uso de imóveis, com dispensa de licitação, quando o uso destina-se a pessoa natural que, nos termos de lei, regulamento ou ato normativo do órgão competente, haja implementado os requisitos mínimos de cultura, ocupação mansa e pacífica e exploração direta sobre área rural, com áreas não superiores a 2.500 ha (dois mil e quinhentos hectares); e a segunda trata da possibilidade de alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, com dispensa de licitação, de terras públicas rurais da União e do Incra, onde incidam ocupações até o limite de 2.500 ha (dois mil e quinhentos hectares) para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais.

Embora não esteja previsto na Lei federal de n.º 8.666/93 como uma das hipóteses de dispensa de licitação, a Lei federal de n.º 23.465/207 faculta aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal utilizarem a prerrogativa de venda direta aos ocupantes de suas áreas públicas objeto da Reurb-E, dispensados os procedimentos exigidos pela Lei de Licitações, desde que os imóveis encontrem-se ocupados até 22 de dezembro de 2016, devendo, contudo, expedir regulamento para regrar o processo por meio de legislação própria.

  • Algumas das implicações relacionadas com a regularização fundiária rural e urbana em terras públicas no âmbito do Registro de Imóveis

            Numa análise breve e, portanto, superficial da Lei em comento, correm-se vários riscos, destacando-se, sobretudo, a falta de compreensão acerca da dimensão jurídica e as consequentes implicações de ordem prática e de eficácia no contexto do Registro de Imóveis. O texto legal apresenta a expressão Registro de Imóveis 44 (quarenta e quatro) vezes, contudo, nem sempre estabelecendo comandos relacionados aos bens públicos e ao registro imobiliário. Ainda assim é possível fazer algumas referências, extraídas do texto legal, relacionadas aos bens públicos e que podem repercutir no âmbito do Registro de Imóveis.

            As Regularizações Fundiárias-Reurb-E e Reurb-S podem recair sobre bem imóvel público, porém, quando áreas de propriedade do poder público registradas no Registro de Imóveis forem objeto de ação judicial versando sobre a sua titularidade, a possibilidade de serem utilizadas para Reurb dependerá de acordo prévio celebrado no âmbito judicial ou extrajudicial, homologado pelo juiz, o que requer atenção do Registro de Imóveis no sentido de evitar registro de regularização sem que tenha sido celebrado o prévio acordo.

            Quando se tratar de Reurb-S promovida sobre bem público, o registro do projeto de regularização fundiária e a constituição de direito real em nome dos beneficiários poderão ser feitos em ato único, a critério do ente público promovente, ou seja, o ente público que promove a regularização pode determinar se o registrador vai praticar ato único ou não, cabendo ao Poder Público encaminhar ao Registro de Imóveis o instrumento indicativo do direito real constituído, a listagem dos ocupantes que serão beneficiados pela Reurb e respectivas qualificações, com indicação das respectivas unidades, ficando dispensadas a apresentação de título cartorial individualizado e cópias da documentação referente à qualificação de cada beneficiário. 

Ainda que o propósito do texto não seja análise crítica, entende-se que carece de constitucionalidade o dispositivo que outorga ao Poder Público promotor da regularização a prerrogativa de determinar como os atos registrais devem ser processados no Registro de Imóveis, tendo em vista que a competência para legislar sobre registros públicos é da União. Ademais, os atos registrais relacionados a Reurb-S são gratuitos, o que afasta de plano a ideia de que a diminuição de atos registrais onera menos o interessado, argumento quase sempre equivocado, porque a certeza e a segurança do sistema registral imobiliário dependem do processamento dos atos, que entre outros princípios, deve orientar-se pela especialidade subjetiva e objetiva.

No âmbito da Reurb, o primeiro registro da Reurb-S, o qual confere direitos reais aos seus beneficiários, o registro da legitimação fundiária, o registro do título de legitimação de posse e a sua conversão em título de propriedade, o registro da CRF e do projeto de regularização fundiária, com abertura de matrícula para cada unidade imobiliária urbana regularizada, a primeira averbação de construção residencial, desde que respeitado o limite de até setenta metros quadrados, a aquisição do primeiro direito real sobre unidade imobiliária derivada da Reurb-S, o primeiro registro do direito real de laje no âmbito da Reurb-S e o fornecimento de certidões de registro para os atos previstos neste artigo, independem da comprovação do pagamento de tributos ou penalidades tributárias, sendo vedado ao Oficial do registro de imóveis exigir sua comprovação.

A demarcação urbanística, procedimento destinado a identificar os imóveis públicos e privados abrangidos pelo núcleo urbano informal e a obter a anuência dos respectivos titulares de direitos inscritos na matrícula dos imóveis ocupados, culminando com averbação na matrícula destes imóveis da viabilidade da regularização fundiária, a ser promovida a critério do Município,  tem implicações no âmbito do Registro de Imóveis e como pode, também, recair sobre bens públicos, far-se-ão breves considerações.

O poder público poderá utilizar o procedimento de demarcação urbanística, embora não constitua condição para o processamento e a efetivação da Reurb, com base no levantamento da situação da área a ser regularizada e na caracterização do núcleo urbano informal a ser regularizado, cujo auto de demarcação urbanística deve ser instruído com os documentos arrolados nos incisos I e II, do artigo 19, da Lei federal n.º 13.465/2017, podendo abranger uma parte ou a totalidade de um ou mais imóveis inseridos no domínio privado com proprietários não identificados, em razão de descrições imprecisas dos registros anteriores; no domínio privado objeto do devido registro no registro de imóveis competente, ainda que de proprietários distintos ou, ainda, no domínio público. 

Para efeitos de concretização da demarcação urbanística, o poder público notificará os titulares de domínio e os confrontantes da área demarcada, pessoalmente ou por via postal, com aviso de recebimento, no endereço que constar da matrícula ou da transcrição, para que estes, querendo, apresentem impugnação à demarcação urbanística, no prazo comum de trinta dias, com a advertência de que a ausência de impugnação implicará a perda de eventual direito que o notificado titularize sobre o imóvel objeto da Reurb. A critério do poder público municipal, as medidas de notificação poderão ser realizadas pelo registro de imóveis do local do núcleo urbano informal a ser regularizado. 

Na hipótese de haver titulares de domínio ou confrontantes não identificados, ou não encontrados, ou, ainda, que recusarem o recebimento da notificação por via postal, serão notificados por edital, para que, querendo, apresentem impugnação à demarcação urbanística, no prazo comum de trinta dias. A ausência de manifestação dos indicados será interpretada como concordância com a demarcação urbanística. 

Contudo, havendo impugnação poderá ser adotado procedimento extrajudicial de composição de conflitos e, se por acaso existir demanda judicial de que o impugnante seja parte e que verse sobre direitos reais ou possessórios relativos ao imóvel abrangido pela demarcação urbanística, deverá informá-la ao poder público, que comunicará ao juízo a existência do procedimento de demarcação urbanística. Não se obtendo a composição de conflitos por meio da mediação, fica facultado o emprego da arbitragem. Se houver impugnação apenas em relação à parcela da área objeto do auto de demarcação urbanística, é facultado ao poder público prosseguir com o procedimento em relação à parcela não impugnada.

Finalmente, decorrido o prazo sem impugnação ou caso superada a oposição ao procedimento, o auto de demarcação urbanística será encaminhado ao registro de imóveis para a prática dos atos registrais cabíveis: se o imóvel ou os imóveis alcançados pela demarcação urbanística já estiverem matriculados, far-se-á a averbação nas matrículas por ele alcançadas, onde serão lançadas as seguintes informações: a área total e o perímetro correspondente ao núcleo urbano informal a ser regularizado; as matrículas alcançadas pelo auto de demarcação urbanística e, quando possível, a área abrangida em cada uma delas e a existência de áreas cuja origem não tenha sido identificada em razão de imprecisões dos registros anteriores. Não poderá representar óbice à averbação da demarcação urbanística se a área abrangida pelo auto de demarcação urbanística supere a área disponível nos registros anteriores.  

Não obstante, se o auto de demarcação urbanística incidir sobre imóveis ainda não matriculados, será aberta matrícula, que deverá refletir a situação registrada do imóvel e, para tanto, o Oficial do Registro de Imóveis não poderá exigir, para a averbação da demarcação urbanística, a retificação da área não abrangida pelo auto de demarcação urbanística, ficando a apuração de remanescente sob a responsabilidade do proprietário do imóvel atingido. Abrangendo imóveis situados em mais de uma circunscrição imobiliária, o oficial do registro de imóveis responsável pelo procedimento comunicará às demais circunscrições imobiliárias envolvidas para averbação da demarcação urbanística nas respectivas matrículas alcançadas pela demarcação.

A legitimação de posse, instrumento de uso exclusivo para fins de regularização fundiária, constitui ato do poder público destinado a conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb, com a identificação de seus ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza da posse, a qual é conversível em direito real de propriedade, podendo ser transferida por causa mortisou por ato inter vivos, mas não se aplica aos imóveis urbanos situados em área de titularidade do poder público, razão pela qual, não será objeto de abordagem.

A Lei em comento dispõe, em capítulo próprio, de um conjunto de disposições notadamente sobre o registro da Certidão de Regularização Fundiária-CRF, que é o documento expedido pelo Município ao final do procedimento de Regularização Fundiária Urbana-Reurb, constituído do projeto devidamente aprovado, do termo de compromisso relativo à sua execução e, nos casos da legitimação fundiária e da legitimação de posse, da listagem dos ocupantes do núcleo urbano informal regularizado, da devida qualificação destes e dos direitos reais que lhes foram conferidos, que pode ter por objeto tanto bens imóveis privados como bens imóveis públicos.

O registro da Certidão de Regularização Fundiária-CRF e do projeto de regularização fundiária aprovado será requerido ao oficial do cartório de Registro de Imóveis da situação do imóvel e será efetivado independentemente de determinações do Poder Judiciário ou do Ministério Público. Ao receber a CRF, o oficial do Registro de Imóveis deve prenotá-la, autuá-la e instaurar o procedimento registral e, no prazo de quinze dias, emitir a respectiva nota de exigência, devidamente fundamentada, na qual deverá indicar os motivos da recusa e formular exigências nos termos do artigo 198 da Lei dos Registros Públicos ou praticar os atos tendentes ao registro.

Após a prenotação, autuação e a instauração do processo registral, a Certidão de Regularização Fundiária-CRF passará obrigatoriamente pelo processo de qualificação e, não havendo exigências nem impedimentos, o oficial do Registro de Imóveis efetuará o seu registro nas matrículas dos imóveis cujas áreas tenham sido atingidas, total ou parcialmente. O registro da Reurb importa em abertura de matrícula da área sobre a qual recaiu a Reurb, salvo se já matriculada, abertura de matrículas individualizadas para os lotes e áreas públicas resultantes do projeto de regularização aprovado e registro dos direitos reais indicados na Certidão de Regularização Fundiária-CRF junto às matrículas dos respectivos lotes, independentemente de título individualizado para cada sujeito favorecido.

Tratando-se de imóvel público, ainda não matriculado do Registro de Imóveis, é necessário primeiro a sua regularização e a consequente instauração da matrícula e, na hipótese de ser possível a identificação das transcrições ou as matrículas da área regularizada, o oficial do Registro de Imóveis abrirá matrícula com a descrição do perímetro do núcleo urbano informal que constar da Certidão de Regularização Fundiária-CRF e nela efetuará o registro, o que caracteriza uma forma de aquisição originária da propriedade imobiliária.  

Ademais, para os efeitos de regularidade da documentação, o Oficial do Registro de Imóveis não precisa exigir reconhecimentos de firmas nos documentos que compõem a Certidão de Regularização Fundiária-CRF ou o termo individual de legitimação fundiária sempre que apresentados pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou entes da administração indireta. 

Outro aspecto importante relacionado aos bens públicos para fins de Regularização Fundiária Urbana-Reurb é a desnecessidade formal de desafetação de bens públicos, originariamente afetados ao uso comum ou uso especial, isto porque a ocupação para fins de moradia, sem que tenha havido contestação do Poder Público, já opera a desafetação. Não se impõe, portanto, qualquer exigência no sentido de apresentar documento – ato administrativo ou lei – para efeitos de comprovação da desafetação de imóvel público quando da abertura de matrícula para o registro da Reurb.

Contudo, se o imóvel está titulado, porém a especialização da ou das matrículas for deficiente, o oficial do Registro de Imóveis adotará o memorial descritivo da gleba apresentado com o projeto de regularização fundiária independentemente de provocação, retificação, notificação, unificação ou apuração de disponibilidade ou remanescente. Havendo dúvida quanto à extensão da gleba matriculada, em razão da precariedade da descrição tabular, o oficial do cartório de registro de imóveis abrirá nova matrícula para a área destacada e averbará o referido destaque na matrícula matriz. Conquanto, quando o núcleo urbano regularizado abranger mais de uma matrícula, o oficial do registro de imóveis abrirá nova matrícula para a área objeto de regularização, destacando a área abrangida na matrícula de origem, dispensada a apuração de remanescentes.

Na hipótese de o imóvel ou os imóveis abrangidos pelo projeto de regularização não estar(em) matriculado(s), será necessária a prévia abertura de matrícula com a especialização do ou dos imóveis abrangidos. Para o atendimento ao princípio da especialidade, o oficial do Registro de Imóveis adotará o memorial descritivo da gleba apresentado com o projeto de regularização fundiária, independentemente de provocação, retificação, notificação, unificação ou apuração de disponibilidade ou remanescente. Na impossibilidade de identificar as transcrições ou as matrículas da área regularizada, o oficial do cartório de registro abrirá matrícula com a descrição do perímetro do núcleo urbano informal que constar da CRF e nela efetuará o registro.  

Ainda, se o projeto de regularização fundiária não envolver a integralidade do imóvel matriculado, o registro será feito com base na planta e no memorial descritivo referentes à área objeto de regularização e o destaque na matrícula da área total deverá ser averbado. Tratando-se de Reurb a abranger imóveis situados em mais de uma circunscrição imobiliária, o procedimento será efetuado perante cada um dos oficiais dos cartórios de registro de imóveis e quando os imóveis regularizados estiverem situados na divisa das circunscrições imobiliárias, as novas matrículas das unidades imobiliárias serão de competência do oficial do cartório de registro de imóveis em cuja circunscrição estiver situada a maior porção da unidade imobiliária regularizada.  

O registro do projeto de Regularização Fundiária Urbana-Reurb, devidamente aprovado, na matrícula do imóvel importa em: abertura de nova matrícula, quando for o caso; abertura de matrículas individualizadas para os lotes e áreas públicas resultantes do projeto de regularização aprovado e o registro dos direitos reais indicados na Certidão de Regularização Fundiária-CRF junto às matrículas dos respectivos lotes, dispensada a apresentação de título individualizado. 

A Lei 13.465/2017 impõe ao Oficial do Registro de Imóveis obrigações de fazer e outras de não fazer. No âmbito das obrigações de fazer, a lei prevê que o procedimento registral deverá ser concluído no prazo de sessenta dias, prorrogável por até igual período, mediante justificativa fundamentada do oficial do cartório de registro de imóveis; registrada a Certidão de Regularização Fundiária-CRF, deverá ser aberta matrícula para cada uma das unidades imobiliárias regularizadas; o registro da CRF será feito em todas as matrículas atingidas pelo projeto de regularização fundiária aprovado, devendo ser informadas, quando possível, as parcelas correspondentes a cada matrícula; nas matrículas abertas para cada parcela, deverão constar dos campos referentes ao registro anterior e ao proprietário, isto quando for possível a identificação exata da origem da parcela matriculada, por meio de planta de sobreposição do parcelamento com os registros existentes, a matrícula anterior e o nome de seu proprietário.

Não obstante, quando não for possível identificar a exata origem da parcela matriculada, nem as matrículas anteriores atingidas pela Reurb e seus respectivos proprietários, na abertura da matrícula deverá constar que os registros anteriores não foram encontrados e no campo reservado aos proprietários, deve ficar consignada a expressão “proprietário não identificado”.

O procedimento administrativo e os atos de registro decorrentes da Reurb serão feitos preferencialmente por meio eletrônico, na forma dos arts. 37 a 41 da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009 e, uma vez efetivado o registro da transferência da concessão de direito real de uso ou do domínio pleno do imóvel, o oficial do cartório de registro de imóveis, no prazo de trinta dias, notificará a Superintendência do Patrimônio da União no Estado ou no Distrito Federal, informando o número da matrícula do imóvel e o seu Registro Imobiliário Patrimonial (RIP), o qual deverá constar da CAT-Reurb-S. 

O artigo 3.º-A, do Decreto-lei 2.398/1987, impõe aos Oficiais de Registro de Imóveis o dever de informar as operações imobiliárias anotadas, averbadas, lavradas, matriculadas ou registradas nos cartórios de notas ou do registro de imóveis, títulos e documentos, que envolvam terrenos da União sob sua responsabilidade, mediante a apresentação de Declaração sobre Operações Imobiliárias em Terrenos da União (Doitu) em meio magnético, nos termos que serão estabelecidos, até 31 de dezembro de 2020, pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

Seguindo a mesma lógica da Lei de Parcelamento do Solo urbano, o registro da CRF implica a incorporação automática ao patrimônio público das vias públicas, das áreas destinadas ao uso comum do povo, dos prédios públicos e dos equipamentos urbanos, na forma indicada no projeto de regularização fundiária aprovado. Se o Município requerer, o Oficial do de Imóveis deverá providenciar na abertura da matrícula para as áreas que tenham ingressado no domínio público. 

É possível que nem todas as unidades regularizadas pela Reurb estejam ocupadas. Neste caso, as desocupadas e não comercializadas terão as suas matrículas abertas em nome do titular originário do domínio da área e as unidades não edificadas que tenham sido comercializadas, a qualquer título, terão suas matrículas abertas em nome do adquirente, observados os requisitos para alienação de imóveis da União previstos na Lei ora em comento.

Se se tratar de imóvel sujeito a regime de condomínio geral a ser dividido em lotes com indicação, na matrícula, da área deferida a cada condômino, o Município poderá indicar, de forma individual ou coletiva, as unidades imobiliárias correspondentes às frações ideais registradas, sob sua exclusiva responsabilidade, para a especialização das áreas registradas em comum. Na hipótese de esta informação não constar do projeto de regularização fundiária aprovado pelo Município, as novas matrículas das unidades imobiliárias serão abertas mediante requerimento de especialização formulado pelos legitimados de que trata esta Lei, dispensada a outorga de escritura pública para indicação da quadra e do lote.

E por fim, após o registro da Certidão de Regularização Fundiária-CRF, o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis, deverá notificar o Incra, o Ministério do Meio Ambiente e a Secretaria da Receita Federal do Brasil para que esses órgãos cancelem, parcial ou totalmente, os respectivos registros existentes no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e nos demais cadastros relacionados a imóvel rural, relativamente às unidades imobiliárias regularizadas. 

Como foi referido anteriormente, a Lei impõe obrigações de não fazer, tais como: o Oficial do Registro de Imóveis não pode exigir comprovação do pagamento de tributos ou penalidades tributárias de responsabilidade dos legitimados, porque o registro da CRF dispensa estas comprovações; o registro da CRF aprovado independe de averbação prévia do cancelamento do cadastro de imóvel rural no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-Incra, afastando qualquer exigência neste sentido; o Oficial do Registro de Imóveis, ao receber o pedido de registro da Certidão de Regularidade Fundiária-CRF, não pode exigir a notificação ou notificar os titulares de domínio, os confinantes e terceiros eventualmente interessados, sempre que o Município tenha perfectibilizada a notificação.

Esta presunção pode ser extraída do disposto no artigo 31 da Lei federal n.º 13.465/2017, porque de acordo com o dispositivo, instaurada a Reurb, o Município deverá proceder às buscas necessárias para determinar a titularidade do domínio dos imóveis onde está situado o núcleo urbano informal a ser regularizado. Tratando-se de imóveis públicos ou privados, caberá aos Municípios notificar os titulares de domínio, os responsáveis pela implantação do núcleo urbano informal, os confinantes e os terceiros eventualmente interessados, para, querendo, apresentar impugnação no prazo de trinta dias, contado da data de recebimento da notificação ou tratando-se de imóveis públicos municipais, o Município deverá notificar os confinantes e terceiros eventualmente interessados, para, querendo, apresentar impugnação no prazo de trinta dias, contado da data de recebimento da notificação. 

O Oficial do Registro de Imóveis não pode exigir, para os atuais ocupantes das unidades imobiliárias objeto da Reurb, títulos diversos dos compromissos de compra e venda, das cessões e das promessas de cessão, os quais valerão valerão como título hábil para a aquisição da propriedade quando acompanhados da prova de quitação das obrigações do adquirente, e serão registrados nas matrículas das unidades imobiliárias correspondentes, resultantes da regularização fundiária, porque segue a mesma lógica do artigo 26 da Lei do Parcelamento do Solo Urbano.

Alguns atos registrais relacionados à Reurb-S, identificados no artigo 13, parágrafo 1.º, da Lei 13.465/2017, são gratuitos, o que afasta a possibilidade de cobrança de emolumentos. Contudo, para a obtenção da gratuidade para a concessão de direito real de uso ou o domínio pleno do imóvel, o interessado deverá requerer à Secretaria do Patrimônio da União (SPU) a Certidão de Autorização de Transferência para fins de Reurb-S (CAT-Reurb-S), a qual valerá como título hábil para a aquisição do direito mediante o registro no cartório de registro de imóveis competente.  

O registro da Certidão de Regularização Fundiária produzirá efeito de instituição e especificação de condomínio, quando for o caso, regido pelas disposições legais específicas, hipótese em que fica facultada aos condôminos a aprovação de convenção condominial, o que afasta qualquer outra exigência do Registro de Imóveis.   

E por fim, ainda sobre bens públicos, embora fora do contexto da Reurb, a Lei 13.465/2017 modificou a Lei dos Registros Públicos disciplinando os atos relativos a vias férreas, no sentido de que serão registrados na circunscrição imobiliária onde se situe o imóvel e não mais no cartório correspondente à estação inicial da respectiva linha. Para tanto, a requerimento do interessado, o Oficial do Registro de Imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel abrirá a matrícula da área correspondente, com base em planta, memorial descritivo e certidão atualizada da matrícula ou da transcrição do imóvel, caso exista, podendo a apuração do remanescente ocorrer em momento posterior.

Além disso, estabelece disposições sobre a abertura de matrícula de áreas públicas que já ingressaram no Registro de Imóveis e não estão matriculadas ou ainda não ingressaram e podem ser matriculadas. Neste sentido, se o imóvel for da União, a Secretaria do Patrimônio da União-SPU, encaminhará requerimento ao oficial do referido cartório, acompanhado dos seguintes documentos: planta e memorial descritivo do imóvel, assinados por profissional habilitado perante o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia-Crea ou o Conselho de Arquitetura e Urbanismo-CAU, condicionados à apresentação da Anotação de Responsabilidade Técnica-ART ou do Registro de Responsabilidade Técnica-RRT, quando for o caso; e ato de discriminação administrativa do imóvel da União para fins de Reurb-S, a ser expedido pela Secretaria do Patrimônio da União-SPU, salvo àqueles submetidos a procedimentos específicos de identificação e demarcação, os quais continuam submetidos às normas pertinentes.

Neste caso, o oficial do Registro de Imóveis deverá, no prazo de trinta dias, contado da data de protocolo do requerimento, fornecer à Superintendência do Patrimônio da União no Estado ou no Distrito Federal a certidão da matrícula aberta ou os motivos fundamentados para a negativa da abertura, hipótese para a qual deverá ser estabelecido prazo para que as pendências sejam supridas. 

Se o imóvel público pertencer ao Estado ou Município, também deverá apresentar documento que comprove a legitimidade da propriedade pública, como por exemplos: a certidão extraída dos Autos do Processo discriminatório de terras devolutas do Estado, com fundamento no artigo 27, incisos I e II, da Lei federal de n.º 6.383, de 7 de dezembro de 1976;  requerimento do Município ao Registro de Imóveis competente para a abertura de matrícula de parte ou da totalidade de imóveis públicos oriundos de parcelamento do solo urbano implantado, ainda que não inscrito ou registrado, com fundamento no artigo 195-A, da Lei dos Registros Públicos. 

O procedimento definido no artigo 195-A poderá ser adotado para aberturas de matrículas de glebas municipais adquiridas por lei ou por outros meios legalmente admitidos, em especial às áreas de uso público utilizadas pelo sistema viário do parcelamento urbano irregular, mas pode também ser utilizado, inclusive, para as terras devolutas transferidas ao Município em razão de legislação estadual ou federal, dispensado o processo discriminatório administrativo ou judicial. 

A União, os Estados e o Distrito Federal também poderão solicitar ao Registro de Imóveis competente a abertura de matrícula de parte ou da totalidade de imóveis urbanos sem registro anterior, cujo domínio lhes tenha sido assegurado pela legislação, por meio de requerimento acompanhado de planta e memorial descritivo do imóvel público a ser matriculado, dos quais constem a sua descrição, com medidas perimetrais, área total, localização, confrontantes e coordenadas preferencialmente georreferenciadas dos vértices definidores de seus limites; comprovação de intimação dos confrontantes, se for o caso, e as respostas à intimação, quando houver. Este processo pode ser utilizado inclusive para as terras devolutas, dispensado o procedimento discriminatório administrativo ou judicial.

A União poderá adotar ainda, este mesmo processo, para o registro de imóveis rurais de sua propriedade, nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento, desde que informe o código do imóvel, os dados constantes do CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e área, obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas, devidamente certificado pelo Incra, de que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado, observando-se que a certificação do memorial descritivo de glebas públicas será referente apenas ao seu perímetro originário, não se exigindo, por ocasião da efetivação do registro do imóvel destacado de glebas públicas, a retificação do memorial descritivo da área remanescente, que somente ocorrerá a cada 3 (três) anos, contados a partir do primeiro destaque, englobando todos os destaques realizados no período.  

Nesta hipótese, para efeitos de abertura de matrícula em nome da União, a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão fará notificação pessoal dos interessados certos alcançados pelo traçado da linha demarcatória para, no prazo de 15 (quinze) dias, oferecerem quaisquer impugnações.  Os interessados incertos alcançados pelo traçado da linha demarcatória serão notificados por edital, publicado em jornal de grande circulação no local do trecho demarcado e, também, no Diário Oficial da União, para, que no prazo de 30 (trinta) dias, apresentem impugnações, em face das quais, havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso. O Oficial do Registro de Imóveis, depois de qualificado o pedido, abrirá a matrícula em nome do requerente, não importando se o imóvel é de uso comum, uso especial ou dominical e, na hipótese de haver área remanescente, a sua apuração poderá ocorrer em momento posterior.

Além desses exemplos, qualquer outro título de domínio, inclusive o ato reconhecendo o domínio público em sede de usucapião extrajudicial, observando que o ente público proprietário ou imitido na posse a partir de decisão proferida em processo judicial de desapropriação em curso poderá requerer a abertura de matrícula de parte de imóvel situado em área urbana ou de expansão urbana, previamente matriculado ou não, com base em planta e memorial descritivo, podendo a apuração de remanescente ocorrer em momento posterior.                 

  • Conclusões

            As políticas públicas devem se orientar pelos princípios, objetivos e direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal, por isso a política pública de regularização fundiária, regida pela Lei federal n.º 13.465/2017, não pode se afastar deles. Os princípios fundamentais e os objetivos fundamentais são modeladores da concretização dos direitos fundamentais, tanto os de primeira dimensão, como o direito de e à propriedade, como os de segunda dimensão – de natureza social – que exigem do Estado ações positivas, com a finalidade de materializá-los.

Em sintonia com os princípios objetivos e direitos fundamentais, a Constituição trata das políticas urbana e agrária em dois capítulos distintos, permeados pela noção da função social da propriedade. Nesta perspectiva, a função social da propriedade rural é cumprida quando atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Na perspectiva jurídica, as políticas públicas são arranjos institucionais – no âmbito da atividade político-administrativa – produzidos num processo de interação entre a política e o direito, mediados pelos princípios e valores, com vistas à concretização dos Direitos Fundamentais; e o Registro de Imóveis, como instituição certificadora de fé-pública, vai assumindo posição importante como coprotagonista das políticas públicas que dignificam a vida humana, notadamente naquelas que têm por objeto o direito fundamental de e à propriedade, assim como nas políticas públicas que têm por finalidade concretizar o direito social à moradia.

A política de regularização fundiária rural e urbana ganha uma nova roupagem com a publicação da Lei federal n.º 13.465/2017 – conversão da Medida Provisória de n.º 759, 22 de dezembro de 2016 – ao modificar algumas diretrizes pré-existentes e introduzir outras, além de alterações em textos legais que já dispunham sobre o tema ou tinham conexão com a temática e, neste contexto, estabelece normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Rural e a Regularização Fundiária Urbana (Reurb), para todo o território nacional,  o que não exclui a competência suplementar dos Estados e, também, as dos Municípios em matéria urbanística.

O regime jurídico da alienação de bens imóveis da Administração Pública direta e autárquica – previsto na Lei federal de n.º 8.666/93 –, tem como regra a subordinação da alienação à existência de interesse público devidamente justificado, prévia avaliação, autorização legislativa e licitação na modalidade de concorrência, embora admitida também a modalidade de leilão para os bens imóveis, cuja aquisição tenha derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento, que poderão ser alienados por ato da autoridade competente.

A Lei federal n.º 13.465/2017 introduziu importantes alterações ao estabelecer normas gerais sobre a Regularização Fundiária Rural e Urbana-Reurb, que devem ser observadas pelos Estados, Distrito federal e Municípios, mas também estabeleceu regramentos específicos para a União e, neste contexto, outorgou à Secretaria do Patrimônio da União-SPU competência para regulamentar os procedimentos para a Reurb promovida em áreas de domínio da União, sem prejuízo da eventual adoção de procedimentos e instrumentos previstos para a Reurb na própria Lei federal de n.º 13.465/2017.

No contexto das alterações, flexibilizou a regularização de bens públicos junto aos Registros de Imóveis, para efeitos de matrícula, afastando algumas exigências para tornar mais célere o processo de regularização. Flexibilizou, também, a outorga de títulos de propriedade de bens públicos, notadamente pertencentes à União, sem a necessidade de autorização legislativa e licitação prévia.

A Lei 13.465/2017 impôs aos Oficiais de Registros de Imóveis obrigações de fazer, destacando-se, entre outros, que o procedimento registral deverá ser concluído no prazo de sessenta dias, prorrogável por até igual período, mediante justificativa fundamentada do oficial do cartório de registro de imóveis; registrada a Certidão de Regularização Fundiária-CRF, deverá ser aberta matrícula para cada uma das unidades imobiliárias regularizadas; o registro da CRF será feito em todas as matrículas atingidas pelo projeto de regularização fundiária aprovado, devendo ser informadas, quando possível, as parcelas correspondentes a cada matrícula; nas matrículas abertas para cada parcela, deverão constar dos campos referentes ao registro anterior e ao proprietário: quando for possível, a identificação exata da origem da parcela matriculada, por meio de planta de sobreposição do parcelamento com os registros existentes, a matrícula anterior e o nome de seu proprietário.

E no âmbito das obrigações de não fazer, destaca-se, entre outros, que o Oficial do Registro de Imóveis não pode exigir comprovação do pagamento de tributos ou penalidades tributárias de responsabilidade dos legitimados, porque o registro da CRF dispensa estas comprovações; o registro da CRF aprovado independe de averbação prévia do cancelamento do cadastro de imóvel rural no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-Incra, afastando qualquer exigência neste sentido; o Oficial do Registro de Imóveis, ao receber o pedido de registro da Certidão de Regularidade Fundiária-CRF, não pode exigir a notificação ou notificar os titulares de domínio, os confinantes e terceiros eventualmente interessados, porque existe a presunção de que o Município providenciou nestes procedimentos.

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[1] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 61

[2] BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma teoria das políticas públicas, São Paulo: Saraiva, 2013, 140.

[3] COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas, São Paulo: RT, 1997, 18.

[4] GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, São Paulo: Malheiros, 2003, p.25.

[5] SCHMIDT, João Pedro. Para entender as políticas públicas: aspectos conceituais e metodológicos. In: Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Jorge Renato dos Reis e Rogério Gesta Leal (Organizadoras) – Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2008, p. 2.310.

[6] Ibidem, p.2.310

[7] Ibidem, p.2310.

[8] BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma teoria das políticas públicas, São Paulo: Saraiva, 2013, p.11-12.

[9] LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A dignidade humana como critério para o controle jurisdicional de políticas públicas: análise crítica da atuação do Supremo Tribunal federal brasileiro. In: Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Marli Marlene Moraes da Costa e Mônia Clarissa Hennig Leal (Organizadoras) – Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2014, p. 200.

[10] MACIEL, José Fábio Rodrigues. Pluralismo e unicidade na busca da segurança jurídica. Revista Sociologia Jurídica, n.º 06 – N.º 06 – janeiro-junho/2008. Disponível em: http://www.sociologiajuridica.net.br/numero-6/250-pluralismo-e-unicidade-na-busca-de-seguranca-juridica-jose-fabio-rodrigues-maciel> Acesso em: 29 de junho de 2015.

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Observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório. https://richterlazzeron.adv.br/observancia-dos-principios-da-ampla-defesa-e-do-contraditorio/ https://richterlazzeron.adv.br/observancia-dos-principios-da-ampla-defesa-e-do-contraditorio/#respond Wed, 18 Jan 2023 12:46:57 +0000 https://richterlazzeron.adv.br/?p=509 No caso, contra a impetrante foram instaurados processos administrativos, para apuração de infrações às normas que regem a exploração do serviço de radiodifusão comunitária, por veiculação indevida de publicidade comercial. Tais processos tiveram regular trâmite, com observância do contraditório e da ampla defesa, sendo, ao final, em todos eles, imposta à impetrante a pena de multa. Após as multas serem quitadas, pela impetrante, e os referidos processos administrativos finalizados, sobreveio recomendação, expedida pelo Ministério Público Federal para que fosse revogada a autorização outorgada à impetrante para executar o serviço de radiodifusão sonora comunitária, em face de reincidência no cometimento de infrações. Em atenção a tal recomendação foi instaurado novo processo administrativo para revisar a pena anteriormente aplicada, revogando-se a aludida autorização outorgada à impetrante para executar o serviço de radiodifusão comunitária. Ao fundamento de que a impetrante já teria exercido o seu direito de defesa nos processos anteriores, que lhe impuseram a pena de multa, esse novo processo administrativo – em que imposta a sanção de revogação da autorização – transcorreu sem a participação da impetrante.

A pretensão da Administração Pública – no sentido de rever tais penalidades, ao fundamento de que, uma vez constatada a reincidência, deveria ser revogada a autorização outorgada à impetrante, conforme prevê o art. 21, parágrafo único, III, da Lei 9.612/1998 – somente poderia ter seguimento com a observância, nesse novo processo administrativo, do contraditório e da ampla defesa.

É o que determina o art. 5º, LV, da Constituição Federal, que prevê que, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O art. 2º da Lei n. 9.784/1999 determina que “a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. Já o art. 3º, III, da mesma Lei assegura ao administrado o direito de “formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente”.

Nos termos do art. 66 da Lei n. 4.117/1967, “antes de decidir da aplicação de qualquer das penalidades previstas, o CONTEL notificará a interessada para exercer o direito de defesa, dentro do prazo de 5 (cinco) dias, contados do recebimento da notificação”. Semelhante redação contém o art. 39 do Decreto n. 2.615, de 03/06/1998 – que aprova o Regulamento do Serviço de Radiodifusão Comunitária -, que determina que, “antes da aplicação de penalidades, a autorizada será notificada para exercer seu direito de defesa, conforme o estabelecido na Lei n. 4.117, de 1962, sem prejuízo da apreensão cautelar de que trata o parágrafo único do seu art. 70, com a redação que lhe deu o art. 3° do Decreto-Lei n. 236, de 1967”.

Assim, a Administração Pública, antes de decidir pela revisão das sanções de multa, anteriormente aplicadas à impetrante, para, agora, revogar a autorização outorgada, deveria ter notificado a interessada para que exercesse o seu direito ao contraditório e à ampla defesa.

O fato de a autoridade impetrada, após a concessão da medida liminar, ter notificado a impetrante – encaminhando cópia do parecer que opinou pela revogação da autorização da impetrante não tem o condão de alterar o entendimento exposto acima, nem de ensejar a perda do objeto da impetração.

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Insuficiência para a caracterização de delito contra a honra. https://richterlazzeron.adv.br/insuficiencia-para-a-caracterizacao-de-delito-contra-a-honra/ https://richterlazzeron.adv.br/insuficiencia-para-a-caracterizacao-de-delito-contra-a-honra/#respond Wed, 18 Jan 2023 12:45:49 +0000 https://richterlazzeron.adv.br/?p=507 No presente caso, o denunciado, em entrevista, proferira uma sequência de críticas políticas à atuação de alguns membros do Ministério Público Federal e do Poder Executivo, não havendo a imputação de um fato determinado, com a indicação da conduta praticada, de quando fora praticada, em que local ou em que circunstâncias supostamente delitivas. Houve apenas menção à conduta de “bloquear” pedidos de deslocamento de competência.

De acordo com entendimento pacífico do STJ, para configuração do crime de calúnia, urge a imputação falsa a outrem de fato definido como crime. Ou seja, deve ser imputado um fato determinado, devidamente situado no tempo e no espaço, bem como tal fato deve ser definido como crime pela lei penal, além de a imputação ser falsa. Portanto, não configura calúnia, em sentido oposto, a alegação genérica de uma conduta eventualmente delitiva.

É jurisprudência firme do STJ que nos crimes contra a honra, além do dolo, é necessária a existência do elemento subjetivo especial do tipo, consubstanciado no animus calumniandi, vel diffamandi, vel injuriandi, no qual se busca, essencialmente, macular ou ofender a honra da vítima.

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Lei nº 14.533 de 11/01/2023 https://richterlazzeron.adv.br/lei-no-14-533-de-11-01-2023/ https://richterlazzeron.adv.br/lei-no-14-533-de-11-01-2023/#respond Wed, 18 Jan 2023 12:41:58 +0000 https://richterlazzeron.adv.br/?p=502 Institui a Política Nacional de Educação Digital e altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), 9.448, de 14 de março de 1997, 10.260, de 12 de julho de 2001, e 10.753, de 30 de outubro de 2003.

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Lei nº 14.534 de 11/01/2023 https://richterlazzeron.adv.br/lei-no-14-534-de-11-01-2023/ https://richterlazzeron.adv.br/lei-no-14-534-de-11-01-2023/#respond Wed, 18 Jan 2023 12:32:33 +0000 https://richterlazzeron.adv.br/?p=479 Altera as Leis nºs 7.116, de 29 de agosto de 1983, 9.454, de 7 de abril de 1997, 13.444, de 11 de maio de 2017, e 13.460, de 26 de junho de 2017, para adotar número único para os documentos que especifica e para estabelecer o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) como número suficiente para identificação do cidadão nos bancos de dados de serviços públicos.

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